quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Os ribeiraopretanos que a cidade não vê


O asfalto do bairro Ribeirão Verde acaba e entro em uma outra cidade, onde as ruas são de terra e as casas são barracos construídos com lona, ferro e madeira. Ainda há muita cana, mas apesar dos barracos serem próximos uns dos outros é possível ver pequenas hortas e criações de animais, como porcos e galinhas. Há apenas 14 quilômetros do centro de Ribeirão Preto, 454 famílias vinculadas a três movimentos sociais (MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra, MLST- Movimento de Libertação dos Sem Terra e um movimento independente conhecido como Índio Galdino), dividem há cinco anos os 1.500 hectares da antiga fazenda da Barra, hoje conhecida como assentamento Mário Lago.
A rotina para a maioria começa às 5h30, pois é preciso fazer o café, esperar o ônibus escolar para levar as crianças e ir até ao poço, ou ao Rio Pardo pegar água para cuidar das criações. As famílias não têm água encanada ou energia elétrica, mas mantém a geladeira na cozinha, mesmo que empoeirada, para quando a energia chegar. Apesar do Rio Pardo margear parte do assentamento, as famílias que estão distantes dependem da água fornecida pelos caminhões pipa do DAERP (Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto) quinzenalmente. Por isso nas ruas é comum se ver baldes e caixas d’água em frente aos barracos.
As histórias dos assentados são muitas. Ao caminhar pelas ruas, vê-se no alto do morro uma horta bem verde que contrasta com a tonalidade marrom do assentamento. Ali vive a aposentada Luzia Cândido da Silva, que recebe com um sorriso estampado no rosto: “Pode entrar. O barraco é simples, você desculpe a bagunça”. Luzia chegou ao assentamento sem saber muito bem o que ele significa. “Viemos eu e meu marido, Sebastião, iludidos, achando que a terra seria da gente no mesmo dia”. O sonho de voltar a viver na roça, fez o casal vender a casa no bairro Cândido Portinari e morar em um barraco de madeira sobre o chão de terra batida. Três dos sete filhos seguiram o sonho do casal e atualmente dividem o terreno, a criação de porcos e o trabalho na horta, que só foi possível depois da família comprar uma roda d’água que traz água direto do rio.
Na horta tem alface, rúcula, rabanete, couve, beterraba, cheiro verde e salsinha. “Isso é porque estamos na época da seca”, vem logo explicando Luzia. A produção toda, realizada sem agrotóxicos, alimenta a família e é vendida aos sábados em frente o supermercado do Bairro Ribeirão Verde ou através da CONAB ( Companhia Nacional de Abastecimento), um projeto do Governo Federal que repassa as produções dos pequenos agricultores às entidades assistencialistas. Apesar da produção, ainda não é possível que a família toda se sustente no assentamento, Sebastião recebe aposentadoria e os filhos ainda fazem “bicos” na cidade.
As famílias que moram no local e estão sob coordenação do MST são organizadas em 20 núcleos com aproximadamente 14 famílias em cada um, subdivididos em setores: coordenação geral, segurança, saúde, secretaria, educação, direitos humanos e esporte/cultura/lazer. Cada núcleo tem um espaço de reuniões com nome de figuras importantes para os movimentos de esquerda, como Che Guevara, Zumbi dos Palmares e Rosa Luxemburgo. As coordenações gerais de cada núcleo realizam reuniões semanais para discutir os problemas do assentamento. Diante das dificuldades alguns assentados se reúnem para conseguir manter as pequenas plantações. Foi o que fez o aposentado Vítor Donizete Ribeiro ao unir-se com seu vizinho para manterem uma horta.
Donizete se orgulha da dupla, que já conseguiu vender algumas caixas de verdura. “Plantamos milho, abóbora, berinjela e chuchu”. A água é trazida do poço, que fica há cerca de 10 minutos carregando os tambores em uma carroça. Para arar a terra eles pagam a uma pessoa da cidade. A esposa de Donizete, Maria Luiza dos Santos, faz questão de mostrar seu barraco, que tem até banheiro com chuveiro. “A água desce da caixa quentinha por causa do sol”. Apesar do ânimo do casal a incerteza sobre o futuro incomoda Donizete. “Queria abrir os olhos de manhã e saber o que fazer, mas sem saber se esse pedaço de terra é meu, fica muito difícil”.
De acordo com a coordenação do MST, as terras que pertenciam à Fundação Sinhá Junqueira foram consideradas improdutivas após uma vistoria do INCRA em 2000. Em 2003, cerca de 250 famílias ocuparam, durante quatro meses, as terras do Sítio Bragueto, vizinho da Fazenda. Logo após foram transferidos para uma área conhecida como Flamboyants, pertencente ao município. A primeira ocupação da área da Fundação aconteceu em agosto de 2003, porém, pouco tempo depois as famílias tiveram que sair após um pedido de reintegração de posse. Após seis meses, novamente o MST ocupou a terra e vive lá até hoje.
No entanto, algumas famílias não concordaram com o MST e um ano após a ocupação se dividiram em dois outros grupos: MLST e Índio Galdino. Atualmente, o Incra está realizando reuniões com todas as famílias para dividir oficialmente as terras, que serão de 3,14 hectares para cada uma. Elas vão receber também fomento do Governo Federal para a habitação e início da produção, num valor em torno de R$ 9.400 em materiais agrícolas e de construção para cada família.
Esse pedaço de terra, de 3,14 hectares, é suficiente apenas para criação de pequenos animais e pequenas plantações. Segundo o coordenador do assentamento, Sirlei Moreira Ramos, esse tamanho de lote será o menor dentre os assentamentos do país, que chegam a ter 20 hectares por família. Tal modelo é chamado Comuna Urbana e é uma nova forma de pensar a reforma agrária perto dos grandes centros. “A proposta é ter o auto-sustento e fornecer alimentos orgânicos para os centros consumidores através de cooperativas que integrem as famílias dos assentados, envolvendo todos na produção”. O papel da prefeitura, ainda segundo Sirlei, é fornecer saúde e educação aos assentados. Já a infra-estrutura é toda responsabilidade do Incra.
Em um barraco que marca a divisão do núcleo Che Guevara vive a dona de casa e coordenadora, Sônia Cristina Ribeiro, que chegou ao assentamento há quatro anos, seguindo o sonho do marido de ter sua própria terra para criar animais. “Agora a terra para mim não tem valor igual tinha. Eu aprendi a gostar daqui pelas pessoas, a terra ficou em segundo plano, para mim é importante estar aqui nesta comunidade, com essas pessoas”. Sônia acredita que o assentamento conseguirá ser independente da cidade, apesar de reconhecer que esta independência é relativa, pois precisam do centro urbano para vender a produção, mas ela imagina “um posto de saúde, uma escola, uma cooperativa, um mercado, essa coisas que tem na cidade, tudo aqui”.
A família, apesar da criação de porcos e galinhas, não consegue se sustentar apenas do assentamento, por isso, o marido de Sônia ainda trabalha na cidade, como pedreiro. A situação se repete na casa de Elen da Silva Aguiar, em que o marido trabalha como servente de pedreiro. Com três filhos, e rosto de menina, ela carrega na bagagem uma história de mais de 14 anos acompanhando o Movimento Sem Terra. Nas paredes do barraco panelas, enfeites, fotos e um cartaz de 2000 com uma foto do Lula com o boné do MST. Por que vocês deixam esse cartaz aqui? – “Para nunca esquecer do que ele prometeu”. Elen busca uma definição para reforma agrária, mas tem dificuldade de encontrar as palavras. “Eu gosto do rural, porque a gente tem mais liberdade, a gente pode ficar com as portas abertas, sem muros, sem medo. Aqui tem a natureza e eu não ligo que não tem água encanada, nem luz, meus filhos já se acostumaram com essa vida”
No meio da conversa chegam Beatriz Aguiar Viana, 12 anos, filha mais velha de Elen e sua amiga, Daniela Ingrid Barbosa, 13. As duas estão na 6a. série na Escola Estadual Expedicionários Brasileiros no bairro São José. Na escola as meninas já sofreram muito com o preconceito, até as professoras falavam mal do MST. Mas agora as relações melhoraram, algumas colegas até têm vontade de conhecer o assentamento. “Tem duas amigas que gostam daqui, acho que se elas pudessem elas morariam aqui, mas elas vêm até ali na portaria e não entram”, conta Daniela.
Esse cotidiano de pequena vila, é também a vida de Rafaela de Jesus Lima. A família da jovem, de 21 anos, foi para o assentamento para fugir do aluguel. Lá conheceu o marido, David Ribeiro, e aprendeu a gostar da vida fora da cidade. Quando fala do futuro, Rafaela, que espera o primeiro filho, coloca as mãos na barriga. “Sonho é criar meus filhos aqui e ver isso aqui um lugar bonito, a coisa mais linda, com cara de fazenda, com um pomar cheio de fruta para gente comer”.

Tradição que sobrevive


Músicas sobre a chegada de Jesus, vestes coloridas, sorrisos nos rostos e uma fé que impressiona. Em novembro começam as peregrinações das Companhias de Folia de Reis de todo o Brasil para o grande dia: 6 de janeiro, quando é comemorado o dia de Santos Reis. A tradição que vem da roça chega a 2008 com algumas mudanças, mas com o mesmo clima de fé e esperança.
A jornada dos reis Magos do Oriente é a essência da celebração da Folia de Reis que reúne fiéis conduzidos pela crença e devoção religiosa de diversos países da Europa e América, contribuindo para o desenvolvimento de tradições populares.
O principal símbolo de cada companhia de Reis é a bandeira que é um canal de comunicação, por ser sempre o primeiro elemento da Folia e é levada pelo bandeireiro ou alferes, que a carrega como cumprimento a alguma promessa. A bandeira traz uma imagem bíblica da Sagrada Família: Menino Jesus, São José e Virgem Maria na manjedoura, os Três Reis Magos e animais. Os fiéis prendem a esta imagem fotos, figuras de Santos, fitas e pedidos que representam preces, promessas e agradecimentos.
Logo atrás da bandeira vêm os guardiões, que são os palhaços, o capitão, mestre ou embaixador que muitas vezes é a pessoa responsável pela companhia e é quem puxa os versos; o contra-mestre que é quem faz a segunda voz e os demais elementos que cantam e tocam instrumentos como violas, violões, sanfonas, cavaquinhos, pandeiros, caixas e castanholas. Os músicos são nomeados de acordo com a sua posição de voz.
As nomenclaturas, símbolos e a maneira de cantar dependem de cada região do país. A formação da Folia de Reis é composta de elementos da cultura ibérica, que trazem em sua bagagem traços da cultura árabe, e no Brasil sofreram incorporações também da cultura negra e indígena, o que originou uma tradição rica em sincretismos religiosos.
Tal força da religiosidade, neste caso especialmente do catolicismo, também se explica pela colonização brasileira em que os conquistadores utilizaram a religião como maneira de integração entre as diversas etnias.
Todos vestem uniformes coloridos e os instrumentos musicais são ornados com faixas coloridas. Apesar de toda cor os palhaços são os elementos que chamam mais atenção com suas máscaras, apitos e seu dançar contínuo. Eles representam os protetores do menino Jesus e também protegem a bandeira da Companhia, para isso carregam um bastão, além de levarem uma pequena bolsa para colocarem as “esmolas”. Estes personagens mostram a mistura de ritos cristãos e pagãos em uma cerimônia da Igreja Católica.
A vestimenta é uma maneira de cada envolvido no evento se tornar representante de um ato maior, em que é protagonista. Estes elementos que compõem a vestimenta destacam a criatividade da população que, apesar das dificuldades materiais, utilizam suas formas de arte para celebrar seus rituais, o que revela o quanto estas manifestações preenchem internamente os que delas participam, afirma Victor Júnior Ferreira, que participa da Folia de Reis em Ribeirão Preto há 12 anos. “É uma tradição realmente movida pela fé”.
Os versos, na maioria, são passados oralmente de pai para filho ou improvisados e quando as companhias visitam as casas, as rimas são construídas de acordo com a promessa ou devoção daquela família.
Com o passar dos anos, a Folia de Reis sofreu diversas transformações, a maioria delas ligadas à mudança de costumes com a urbanização. Na área rural a Folia de Reis começava na noite de natal e os cristãos cantavam todos os dias e noites em peregrinação, por todas as casas das vilas e fazendas, sem retornarem para seus lares, até seis de Janeiro, atualmente as companhias cantam e visitam casas de fiéis, quando convidados, durante 13 finais de semana (a tradição conta que a viagem dos reis magos durou treze dias), devido aos trabalhadores não poderem faltar do serviço durante a semana, para participarem da peregrinação.
A partir destas manifestações é possível compreender como o passado e o presente de uma determinada sociedade se articulam. Antes da ampliação dos meios de comunicação as festas eram um dos principais meios da população se afirmar como coletividade. Hoje, vivemos uma época de individualidade e as festas reafirmam as identidades.
Por este resgate através de elementos artísticos e culturais diversos como textos, músicas, danças, imagens, oralidades, crenças, costumes e tantos outros a festa se constitui também como um atrativo turístico e revela para as novas gerações uma manifestação de cultura e de fé.

Um recorte da História

Mídia, uma palavra tão utilizada na atualidade e que envolve tantos significados, mas afinal como este termo surgiu e como se tornou tão comum?
Foi na década de 1920 que se começou a falar de mídia, e já nos anos 50 entrávamos na chamada revolução da comunicação. O interesse pela comunicação é muito mais antigo, já que na Idade Média haviam estudos sobre retórica, porém, a comunicação como entendemos hoje, com seus meios de transmissão tem uma história relativamente curta.
A invenção da prensa gráfica por Gutemberg em 1450 é tida por alguns historiadores como a marca do início desta trajetória. Por volta de 1500 havia máquinas de impressão em mais de 250 lugares da Europa e cerca de 13 milhões de livros estavam circulando pelo continente entre 1450 e 1500.
Um dos grandes momentos desta história foi a Reforma Protestante, em que Martin Lutero amplia a comunicação. Mais de 80% dos livros publicados em 1532 tratavam da Reforma da Igreja.
Já em 1700 os jornais passam a ter cada vez mais importância para a sociedade européia, no entanto, é importante ressaltar que a comunicação oral continuava tendo relevância, muitas vezes as pessoas se reuniam em clubes e cafés para ouvirem os jornais sendo lidos em voz alta.
Com o crescimento dos jornais o setor da publicidade ganha mais espaço. Em 1700 também começam as primeiras discussões em torno da veracidade dos jornais e os debates políticos passam cada vez mais a fazer parte da vida da população.
Outro momento crucial foi a publicação da Enciclopédia entre 1751 e 1765 que tinha como objetivo despertar a consciência política e transmitir conhecimento, alcançando todas as camadas sociais.
Em 1814 foi criada a prensa à vapor que permitiu a produção de mil exemplares por hora, tal invenção é um dos marcos da revolução Industrial influenciando diretamente na comunicação.
A história da comunicação está vinculada também ao desenvolvimento do transporte, quando há a expansão das ferrovias as relações com o tempo e o espaço se modificam, nascem os guias de viagem e pequenos livros para ler durante o trajeto conhecidos como literatura ferroviária.
Com a invenção do telégrafo em 1837 a comunicação dá um grande passo, ligando os países uns com os outros. Anos depois, em 1876, a invenção do telefone revoluciona as maneiras de se comunicar e em 1897 começam as primeiras transmissões radiofônicas.
O cinema segue seu caminho paralelamente ao desenvolvimento sonoro, com a invenção do cinematógrafo por Lumiére em 1895.
A industrialização trouxe novos significados à comunicação, pois era necessário que os meios se tornassem mais confiáveis. O entretenimento também passa a ganhar novos conceitos, especialmente com o advento da televisão na década de 1930.
Comunicação passa a ser tema de estudos e nascem as primeira Teorias da Comunicação. Em 1960 surgem os primeiros cursos de pós graduação.
Em 2000 a internet ganha o mundo e adentramos uma nova era da comunicação, ainda a se revelar.
Apesar de tantas mudanças o velho e o novo coexistem e a cada avanço as antigas tecnologias são desafiadas a serem repensadas.

As várias cores do céu



Existem momentos que nos fazem repensar toda a nossa relação com a vida. Foi assim reflexiva e com olhos cheios de lágrimas que me senti após assistir o longa italiano: “Vermelho como o Céu”( 2006).
A direção é assinada por Cristiano Bortone, e o roteiro assinado pelo próprio diretor que retrata a história real do editor de som, Mirco Mencacci, que é deficiente visual desde os oito anos, após sofrer um acidente em casa.
Com a perda da visão muita coisa mudou na vida do menino, que passou a estudar em uma instituição especial - pois na década de 70, na Itália os deficientes visuais não podiam freqüentar as aulas “normais”- e a ter percepções diferentes de uma de suas maiores paixões: o cinema.
A história começa em uma vila de Toscana e as imagens claras e coloridas nos remetem a infância de cidade pequena e às brincadeiras na rua. Após o acidente Mirco (Luca Capriotti) tem de se mudar para uma escola especial em Genova.
A partir dali o filme ganha um tom mais poético, transmitindo as sensações de Mirco, que agora passa a desenvolver seus outros sentidos e descobre seu grande talento: lidar com os sons. Apesar do tom dramático da história, a escolha dos personagens que convivem com Mirco e das situações que passam juntos nos levam a boas risadas.
Umas das cenas mais marcantes são as que Mirco busca com um gravador recuperar os sons da natureza que expressam as quatro estações, neste momento os sons do filme junto com as imagens simples da chuva, das flores nos fazem querer fechar os olhos para tentar perceber o mundo como o personagem o sente.
O grande desafio do menino passa a ser lidar com as rígidas regras da escola, que é dirigida por um padre também deficiente visual, que não acredita que é possível ser feliz com esta deficiência e busca de várias maneiras impedir o desenvolvimento da imaginação dos garotos. O personagem do diretor e alguns outros que passam pela trajetória de Mirco nos levam a pensar nos diversos tipos de cegueira.
Porém, Mirco se revela um grande contador de histórias pelo som e passa a envolver toda a escola em suas fantasias sonoras.
O filme foi selecionado como melhor filme de ficção na 30 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2006, no voto do público e ganhou prêmios na Itália, Bélgica e Canadá.
Uma obra que vale a pena ser sentida.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O tempo da dança


Dançar é uma prática que envolve o homem desde o começo, e que começo foi esse? Não se sabe exatamente quando, mas os desenhos da pré- história demonstram que já ali o homem fazia movimentos rítmicos com o corpo.
Existem muitas histórias da dança, aquelas realizadas durante os rituais, as danças para a colheita, para o riso e tanta outras, mas as mais estudas e historicamente organizadas são as danças cênicas, aquelas produzidas para de alguma forma serem apresentadas ao público, com passos codificados. São três grandes gêneros: clássica, moderna e contemporânea.
Vários elementos influem na dança em cada época, desde a política até as possibilidades técnicas, o que tornam necessário ao contar essa história uma revisão dos valores de cada época.
A dança clássica nasce na Renascença (séculos XIV,XV e XVI),primeiro na Itália e depois na França. Este é um período de grandes mudanças culturais, em que era muito valorizada a razão e seguindo tal conceito buscava-se a harmonia dos gestos e a superação dos limites da natureza, sendo assim os bailarinos desafiavam a força da gravidade, com suas sapatilhas de ponta, posições do pé (em dehors – virada para fora) e com o corpo voltado para o público.
Os bailarinos dançavam com roupas da corte e dirigidos para os reis e evitavam dar as costas a ele, o que explica em parte a rigidez dos movimentos do balé clássico. Nas apresentações sempre havia uma narrativa, cada coreografia contava uma história.
O grande momento do estilo clássico foi o romantismo, no século XIX, quando a dança passa a ser percebida como uma arte também fora da aristocracia. Os balés eram divididos em dois atos: a realidade e o sonho. O período é marcado pela revolução industrial e a tecnologia passa a auxiliar a dança, assim bailarinas passaram a “voar”, presas a fios, nos palcos da Europa e a iluminação a gás (antes à luz de velas), colaboravam com a idéia de um sonho. Uma das curiosidades é que as bailarinas só tocavam o chão com as pontas dos pés, como se desafiando a gravidade.
A dança passa a ser valorizada em outros lugares, como na Rússia, que tornou-se o centro do balé no século XIX, com coreografias lembradas até hoje, como “O quebra- nozes”.
No século 20 o balé passa a sofrer influência da arte moderna, as exigências técnicas são ampliadas e novos movimentos são descobertos. Caminhamos para a dança moderna, em que os movimentos são mais expressivos e livres, buscando transmitir os sentimentos e as expressões humanas.
A dança passa a ser a expressão dos contrastes ( é o período das grandes guerras mundiais) e as relações com o público mudam, se antes a atenção estava em cada movimento, agora os olhares caminham por coreografias diferentes simultaneamente.
Com a liberdade de expressões nasce a dança contemporânea, uma manifestação que se une às outras artes e linguagens (da pintura à internet) e a individualidade de cada bailarino é utilizada ao extremo, nada mais é linear e o público deixa de ser passivo.
A dança contemporânea busca os movimentos do dia-a-dia e todo o espaço é palco: museus, centros culturais e até mesmo as ruas. As palavras de ordem passam a ser a contestação e a experimentação.
Hoje pode-se dizer que os três grandes estilos da dança existem ao mesmo tempo e que há total liberdade de criação.

“ A dança é a expressão do incosciente” Marthan Grahan ( coreógrafa americana )

Texto baseado na oficina Corpo a Corpo- A Dança no Tempo, da São Paulo Companhia de Dança

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Senhor Bossa Nova


No palco somente um piano. Um senhor sorridente, de jeito humilde, boné cor-de-rosa e camisa florida adentra o Teatro, faz do instrumento oponente seu companheiro e emociona uma platéia amante de Bossa Nova.
Foi assim que conheci o mestre João Donato,um dos precursores da Bossa que completa 50 anos e marca a história artística do país. Donato é um daqueles músicos “sabe tudo”: instrumentista, cantor, arranjador e compositor.
A sua relação com a música vem de longe, em sua terra natal, Rio Branco- Acre, aprendeu a tocar acordeom aos 5 anos e piano aos 7. Sua primeira apresentação foi em um circo, apoiado pelo pai que acreditava que o filho ainda seria muito famoso.
Em 1945 João partiu para o Rio de Janeiro, viagem feita de barco que levou meses e em que o músico ainda pequeno fazia shows nas cidades em que paravam para os breves descansos da longa jornada. Foi no Rio que se apaixonou pela bossa nova e pelo jazz, fez seus primeiros shows de verdade, chegou a montar algumas bandas e conheceu Tom Jobim, João Gilberto e outros tantos grandes nomes da nossa música.
Mas o músico não se contentou em fazer parte do famoso Beco das Garrafas (local onde os artistas da Bossa se reuniam no Rio de Janeiro), e conquistou novas sonoridades nos Estados Unidos e no México.
Aproximadamente dez anos depois de morar nos Estados Unidos João voltou de vez para o Brasil e suas músicas foram gravadas por interpretes como Nana Caymmi e Caetano Veloso. Impossível não conhecer seus maiores sucessos: “Lugar Comum”, “ Até quem sabe” e “Nasci para bailar”.
O artista não para de compor, até mesmo em cima do palco ele compõe novas músicas. Em seu blog( joaodonato.blog.uol.br) ele relata: “Descubro que uma nota vai bem com outra e vira uma música nova”.
Música que vale a pena ser ouvida de olhos fechados com atenção em cada sensível acorde que compõem a boa música brasileira.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O contador de histórias


Precisamos valorizar o que é nosso”, por esta idéia e pelos suas incontáveis histórias é que Rolando Boldrin é reconhecido como um dos maiores divulgadores da cultura brasileira.
O múltiplo artista, que já trabalhou como ator na televisão e no cinema, radialista, cantor, apresentador e escritor, faz parte da história da mídia brasileira. São 50 anos de carreira e com tanta história para contar, Boldrin, acaba de escrever um livro : “História de Amar o Brasil – 50 Anos de Carreira Artística”. O lançamento da obra, juntamente com um show especial aconteceu em junho durante a 8 Feira Nacional do Livro em Ribeirão Preto.
O livro tem duas partes, a primeira relata a história do artista através de fotos, opiniões de críticos, textos de jornalistas e depoimentos e a segunda trata de seu projeto “Vamos tirar o Brasil da gaveta”, no qual está incluído o atual programa “Sr. Brasil”, da TV Cultura.
De acordo com Boldrin, que concedeu entrevista dias antes de sua ida à Ribeirão, a idéia do livro já é antiga e ele foi escrito a quatro mãos, pois contou com a colaboração de Mônica Maia, que realizou a pesquisa. “Este livro, sem falsa modéstia, ficou belíssimo, ele fecha um ciclo da minha vida”, relata Boldrin.
O artista se mostrou entusiasmado com o atual programa de televisão.“Este é um projeto que me consome e me completa”, revelou. Tudo no programa passa pelas mãos do artista, do projeto inicial à edição de imagem.
Segundo Boldrin o programa reflete sua busca por mostrar a multiplicidade de sons do país. “Sempre persegui a idéia de que a música brasileira não é só samba, o Brasil é muito rico em ritmos. O Rio de Janeiro foi reconhecido durante muito tempo como a meca da cultura no país, mas temos muito mais que o samba, tem o chachado, o baião, o rasta pé...”.
Questionado do porquê música sertaneja não entrar em seu programa, Boldrin responde incisivo: ¨ O sertanejo é importado da música norte americana, não é genuinamente brasileiro”.
O ponto de partida para a busca da valorização cultural brasileira na carreira de Boldrin foi o programa Som Brasil, que ele coordenou entre 1981 e 1983, na TV Globo, e que é considerado referência dentre os programas musicais. Ele seguiu com o mesmo formato de programa de música e entrevista pela Bandeirantes, SBT, TV Gazeta até chegar ao formato atual na TV Cultura.
Para compor o programa “Sr. Brasil” a produção recebe material do país inteiro. “ Com todo o material que recebemos daria para fazer mais de cinco programas semanais”, explica.
O excesso de críticas e a falta de valorização da cultura é para Boldrin o maior defeito dos brasileiros. “Sofremos muito a influência do que vem de outros países e desvalorizamos o que é nosso, nossa música é exportada para o mundo todo”. Apesar disso ele acredita que a mudança desta mentalidade é possível aos poucos.

terça-feira, 24 de junho de 2008

“Este é o ano do Zé do Caixão”, diz José Mojica



O mestre do terror, José Mojica Marins, reconhecido pelo personagem Zé do Caixão, aos seus imperceptíveis 72 anos tem muitos planos para este ano e para os próximos. “Já tenho o roteiro do meu próximo filme”.

Este ano o diretor, ator, apresentador e escritor lança nacionalmente seu novo filme“Encarnação do Demônio”, em agosto mas precisamente no cabalístico dia 08/08/08. O filme é o último da trilogia do Zé do Caixão, que começou com o longa de 1963: “A meia noite levarei sua alma”, seguido do “O estranho mundo de Zé do Caixão”, de 1967.

Segundo Mojica, este último filme é o melhor que já fez e trata-se da “bíblia cinematográfica do terror na América Latina”. O roteiro foi escrito em 1966, porém, Mojica passou por diversos problemas com censura e dificuldades financeiras, a história foi reescrita e depois de dois anos de gravação o sonho do diretor foi concretizado: Zé do Caixão encontra a mulher para gerar o seu filho, ou melhor, sete mulheres. “Ele não poderia correr o risco de não conseguir”, explica.

“Encarnação do Demônio” traz imagens polêmicas com baratas e ratos de verdade e foi realizado de maneira praticamente artesanal “Queria fazer um filme como os que eu fazia no passado. O único efeito especial que utilizei foi um céu vermelho”, explica. O mestre do terror continua a provocar curiosidade, o trailer do filme disponível no site youtube já foi visto por mais de 2.900 pessoas.

Mojica foi o primeiro cineasta de terror brasileiro e tem em seu currículo 39 filmes, além de um livro infantil “Histórias Horripilantes de Zé do Caixão”, pela editora Panda, um desenho animado em que fez dublagem: “Lasanha Assassina” e gibis do Zé do Caixãozinho.

A idéia de escrever um livro infantil surgiu do sucesso que o personagem faz com as crianças “Eles me adoram, criança gosta do que é proibido”, disse entre risos.

Zé do Caixão e Mojica se confundem, ao menos nos trajes escuros e no jargão “praticamente”, porém, de acordo com Mojica eles são bem diferentes: “Eu sou um grande medroso e também sou pai de família, tenho 11 netos”, afirma.

Ao ser questionado sobre o cinema brasileiro, o diretor acredita esta é uma das melhores fases, principalmente pelo sucesso no exterior e tem esperança em novos produtores do gênero terror. “Eu sou o primeiro e o único a fazer longas de terror no país, mas tem muita gente fazendo curtas, o que me deixa muito contente. Acho que em breve os jovens vão estar produzindo bons filmes de terror”, disse.

Sempre aberto a novas experiências Mojica também adentrou o universo das entrevistas, com o programa “O estranho mundo de Zé do Caixão”, transmitido pelo Canal Brasil. A estréia foi em abril deste ano e já contou com a presença da escritora Bruna Surfistinha, da vidente mãe Dinah e da cantora Pitty.

“Gosto muito desse programa, porque faço entrevistas de forma diferente, busco o lado sombrio,sobrenatural dos convidados. É uma opção diferente para o telespectador”, explica.

Os planos para este ano são muitos: “lançar um livro de quadrinhos, um livro do Encarnação do Demônio, terminar o roteiro de um futuro filme e principalmente divulgar este novo”, lista.

Sobre o possível novo filme, Mojica explica que será um personagem novo,completamente estranho e ainda sem nome, que dependerá do “líquido dos olhos femininos para sobreviver”, revela.

sábado, 17 de maio de 2008

Porco ou homem?


“- Você tem que ler “Revolução dos Bichos” de George Orwell”. Muitas vez ouvi essa frase durante o ensino médio e não dei atenção. Até que alguns amigos comentaram na semana passada sobre este clássico da literatura, e resolvi me arriscar.

Uma sátira ao comunismo, essa era a única informação que eu tinha, porém, o Orwell como em “1984” supera as expectativas, mostrando como a história da humanidade pode se repetir de diversas maneiras.

A história se passa na Granja do Solar, uma chácara comandada pelo alcoólatra Sr. Jones, que maltrata os animais e busca lucrar cada vez mais. Os animais passam seus dias sendo escravizados, trabalhando muito para ganhar doses reduzidas de ração.

Um dia um velho porco, muito sábio, conhecido por Major chama todos os animais para uma reunião noturna , onde fala sobre um sonho onde o homem desaparecia da Terra e tudo era melhor. Ele incentivou aos animais a fazerem uma revolução onde todos os bichos seriam auto-suficientes e iguais e o principal inimigo eram os humanos.

O velho Major morreu pouco depois de falar sobre sonho e então dois porcos decidem iniciar a revolução: Bola-de- Neve e Napoleão.

Após três meses de reuniões secretas, em uma noite em que o Sr. Jones chegou completamente bêbado, os animais conseguiram tomar a granja, que passou a se chamar Granja dos Bichos.

Durante um certo tempo tudo dava certo, os animais produziam o suficiente, tinham dias de folga e viviam como iguais, as decisões eram tomadas em assembléias, onde todos podiam votar.

Inicialmente Bola-de-Neve era o comandante, mas na ânsia de conseguir o poder, Napoleão o traiu com propaganda negativa e mentirosa, expulsou-o e tomou o poder.

Napoleão na verdade era um chefe autoritário e sanguinário, que no decorrer da história abusa do poder de todas as maneiras possíveis. Essa estória lembra muito a relação de Stálin e Trotski.

Ao ler o livro é possível perceber como cada personagem representa algo na história, como um porco chamado Garganta que fazia toda a propaganda positiva de Napoleão e representa o sistema de propaganda que os regimes autoritários utilizavam, há também os animais que trabalhavam duro e não entendiam muito bem o que estava acontecendo, representando ai a população desinformada que acreditava cegamente na Revolução.

Existem também os cães ferozes que faziam a guarda de Napoleão, algo que lembram as polícias em época de ditadura.

Os sete mandamentos da Granja dos Bichos que no inicio falavam em igualdade acabam em um só mandamento: Todos são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros.

O livro foi escrito em 1945 e representa uma crítica a como o comunismo como foi praticado, porém, a história atravessou épocas e pode ser comparada com qualquer ditadura ou relações de desigualdade presente ainda na sociedade.

É possível dar boas risadas com essa obra, mas é inevitável pensar em como construímos as relações de poder e no quanto elas são perigosas.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Por onde andará o cinema brasileiro?


Guilherme no dia 2 de janeiro de 1987 lia o Caderno 2 do jornal “Estado de São Paulo” .Ao folhear as páginas se deparou com uma crônica de Caio Fernando Abreu intitulada “ Onde Andará Lyris Castellani?”, que falava da saudade do cronista desta atriz dos anos 50 e de como as pessoas famosas passam por nossas vidas. O texto chamou tanta atenção de Guilherme que ele procurou por Caio e propôs : -Vamos escrever um roteiro com essa história? Foi assim que começou a saga que terminou no final de 2007 com o lançamento do filme “ Onde andará Dulce Veiga?”. A história foi reformulada e virou livro pelas mãos de Caio em 1990 e foi o maior sucesso internacional da carreira do escritor, falecido em 1996. Já o roteiro cinematógrafico ficou guardado na gaveta devido as dificuldades em se produzir filmes no Brasil na década de 90. Até que em 2002 foi escolhido pelo “ The Sundance Institute” para ser reestruturado. “ Eu fui participar do concurso com um outro roteiro, só que pediram para inscrever dois. Quando inscrevi Onde Andará Dulce Veiga, não esperava que fosse ganhar...este filme pediu para sair da gaveta”, conta Guilherme. Após o trabalho com o roteiro, começou a luta pelo dinheiro da produção. O processo desde a gravação até a finalização levou dois anos. Ao ser questionado sobre o que este filme representa para sua carreira, o diretor responde com um brilho especial nos olhos “ Este é o melhor filme que fiz até hoje”. Onde Andará Dulce Veiga é um filme diferente, com um toque de surrealismo e como descreve o próprio Guilherme: “um filme para ser visto várias vezes”. A obra conta a história do jornalista Caio (Eriberto Leão) que é escalado para fazer uma matéria elogiando o trabalho de uma banda de rock famosa: Márcia Felacio e as Vaginas Dentadas. A contragosto ele vai a uma gravação da banda e descobre que a vocalista Márcia ( Carolina Dieckmann) é filha de uma cantora e atriz antiga que desapareceu misteriosamente: Dulce Veiga (Maitê Proença). Ao voltar da reportagem ele comenta com seu editor( Cacá Rosset) sobre Dulce e recebe uma nova incumbência: descobrir onde Dulce Veiga está. O filme acompanha a busca de Caio pela cantora, seu envolvimento com a roqueira Márcia e com as histórias escabrosas que cercam a família. O filme discute a relação do público com os famosos e a supervalorização do sucesso, porém, de maneira nada ortodoxa. Cenas de homossexualismo masculino e drogas constroem a história que é contada através dos desejos e medos de Caio. Nada é claro para o espectador, o roteiro é todo recortado e todos os personagem tem um “quê” de insanidade e de ironia que criticam a sociedade de maneira subjetiva. É um filme que incomoda em certos momentos, faz rir em outros e principalmente nos concede a oportunidade de mudar a nossa percepção sobre o que a cinematografia brasileira é capaz de realizar.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Teatro Social


O contato com a arte teatral é uma oportunidade de transitar entre várias personalidades, viver em épocas distintas, experimentar novas feições e transcender a realidade. Para as mulheres da Penitenciária Vila Branca, em Ribeirão Preto, também é uma forma de lidar com as dificuldades do cotidiano.
Em 2005 o diretor de teatro, Magno Bucci que trabalha na área há quatro décadas iniciou o Projeto Presídio Feminino, que leva oficinas teatrais para o presídio da cidade.
Bucci procurava um trabalho diferenciado e desafiador. “Eu gostaria de trabalhar com pessoas sonhadoras e lá estavam elas, o tempo todo sonhando com a liberdade, com o resgate da dignidade, o retorno a família, rever o mundo lá fora e o afeto”, afirma.
Assim que Bucci apresentou o projeto, a diretoria do presídio aceitou a idéia. Segundo ele, falta trabalho voluntário nos presídios, muitos ainda têm medo de trabalhar com este público.
Os encontros semanais resultaram em três montagens somente em 2006. “O aprendizado foi mútuo, tive de rever toda a minha experiência com teatro para aprender algo novo, lidar com uma nova forma de fazer teatro, mais participativa, versátil e essencialmente mais humana”.
Os ensaios começam com uma pergunta simples: “O que vocês querem ser?” e é a partir das histórias de vida e dos desejos destas mulheres que Bucci escreve o texto e aprende a lidar com as improvisações que elas criam no momento das apresentações.
O projeto já resultou em apresentações dentro do presídio para as internas e para convidados, duas exposições fotográficas, além da repercussão em jornais locais e a concepção de um material escrito sobre a vivência.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Transcendência da arte


A 26 km de Ribeirão Preto na pequena cidade de Brodowski encontra-se um recanto, uma casa antiga pintada em azul e branco em frente a uma simpática praça onde durante anos viveu um dos maiores pintores do país: Cândido Portinari.

O museu Casa de Portinari foi fundado em 1970 e abriga a história do artista através de suas obras. Nos cômodos estão pinturas murais, aplicadas diretamente sobre as paredes através de técnicas de afresco e têmpera que tornam o acervo permanente e fascinante.

Além dos murais o acervo conta com desenhos, estudos, objetos, utensílios, fotografias e documentos colaborando para que entendamos como era a vida naquela época.

Ao lado da casa principal existe uma casinha conhecida como a capela da Nonna.que foi construída em 1941 a pedido de Portinari para sua avó paterna que estava muito doente e já não podia ir a igreja matriz para assistir a missa.

Portinari pintou em todo o cômodo os santos prediletos da avó, dentre eles São Francisco, Santa Luzia e São Pedro, com fisionomias de pessoas conhecidas, como membros da família e amigos e também um pequeno altar com flores. Ao entrar nessa capela a emoção é muito forte, há toda uma vibração de fé expressa nos olhares dos personagens ali retratados.

Para finalizar a viagem ao mundo de Portinari vale a pena andar mais 19 km e também visitar o acervo de pinturas sacras, datadas de 1953, na Igreja Matriz de Bom Jesus da Cana Verde, em Batatais.

Um pouco de história

Portinari nasceu em uma fazenda de café próxima a Brodowski em 1903, na época um vilarejo de 700 habitantes (hoje são 20 mil).

Quando Portinari tinha 15 anos passou pelo vilarejo um grupo de pintores e escultores italianos que decoravam igrejas e o garoto foi escolhido como um dos ajudantes, assim nasceu seu amor pela pintura. No ano seguinte, decidido a se tornar pintor, ele se mudou para o Rio de Janeiro e ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, a única profissionalizante na área do país.

Durante os nove anos que passou na escola, Portinari participou de diversos concursos artísticos, conquistou prêmios e teve um certo destaque na mídia.

Em 1929 realizou sua primeira exposição individual no Palace Hotel do Rio de Janeiro. No mesmo ano ganhou uma viagem para a França em um concurso da Escola Nacional de Belas Artes.

Após visitar museus em parte da Europa, Portinari voltou da viagem com novas idéias: retratar seu povo.

O Brasil na década de 30 estava sob a presidência de Getúlio Vargas e vivia reformas em vários setores, inclusive no cultural com a renovação de instituições artísticas. Portinari chamava cada vez mais atenção com suas obras de características modernistas, com ênfase nos problemas sociais.

“Estou com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social” ( Folha da Noite, 1934)

Portinari foi um dos vanguardistas no desenvolvimento da técnica de pintura mural em afrescos no Brasil. Elogiado por críticos, incentivado por autores como Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Carlos Drummond e também reconhecido nos Estados Unidos, o artista seguiu desenvolvendo sempre com criticidade seu trabalho.

Em 1945 um novo movimento político surge no Brasil, resistente a ditadura, artistas e intelectuais se unem no Partido Comunista. Nomes de prestígio como Portinari, Jorge Amado e Caio Prado Júnior se integram aos comunistas.

Em 1951 um evento artístico marca a cena cultural do Brasil: a 1º Bienal de Arte de São Paulo, entre os artistas convidados está Portinari, com uma sala exclusiva.

Aos 50 anos o pintor apresenta problemas de saúde em conseqüência do uso de certas tintas, ele sofre várias vezes nos próximos anos de dores, no entanto, não deixa os pincéis.

Em 1957 começa a escrever uma espécie de diário e inicia sua atividade literária.

Cinco anos depois, em fevereiro de 1962 Portinari falece no Rio de Janeiro. A presidência da República decretou luto oficial por três dias.

Portinari deixou um legado de mais de 4.700 obras entre gravuras, desenhos e pinturas, envolvendo mais de 450 temáticas. Além deste imenso material o artista escreveu poemas e ilustrou livros.

Em 2004 foi lançado um catálogo Raissoné das obras de Portinari (reúne obras dispersas de um artista renomado de forma analítica), o primeiro sobre um artista na América Latina. A primeira edição foi concebida em 5 volumes e teve tiragem de 2.000 exemplares. Idealizado por seu filho, João Cândido Portinari, este é um trabalho de extrema importância para a preservação da obra do artista e para auxiliar pesquisadores e pintores.

(texto escrito baseado em material do projeto Portinari- 2003/2004)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Falta acessibilidade em Ribeirão Preto

Para a estudante de história Mariela Martini atividades como caminhar pelas ruas, andar de ônibus, estudar e trabalhar são verdadeiros desafios. Mariela é portadora de deficiência visual e como tantos outros brasileiros lida no dia-a-dia com a falta de acessibilidade.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica), no Brasil 24,6 milhões de pessoas se declaram portadoras de algum tipo de deficiência, o que corresponde a 14,5% da população.
“Há um despreparo de toda a sociedade em lidar com os deficientes e Ribeirão Preto ainda tem muito a melhorar”, afirma o consultor do ministério das cidades na área de acessibilidade, José Antonio Lanchoti.
Para a presidente do Conselho Municipal de Integração e Promoção das Pessoas com Deficiência, Sandra Rosangela Gonçalves, o maior problema em Ribeirão está no transporte coletivo.
A cidade conta com uma frota de 16 vans especiais pelo sistema Leva e Traz e cinco ônibus adaptados com elevador. Segundo o gerente de transporte coletivo da Transerp, Reinaldo Lapate, todos os anos há o aumento da frota para atender melhor a população e as concessionárias estão dentro da lei.
A lei a que Lapate se refere foi aprovada em 2004 e concedeu o prazo de 10 anos para que todas as frotas de ônibus urbano do país sejam renovadas contemplando a acessibilidade. “A van não pode ser aceita como um meio de transporte acessível, porque ela funciona apenas para casos específicos como educação, trabalho e saúde”, afirma Lanchoti.
Para o pintor e deficiente físico, Gonçalo Mendes Ferreira, a principal dificuldade são as irregularidades nas calçadas, presença de orelhões e lixeiras que tornam, muitas vezes, impossível a locomoção com a cadeira de rodas. O artista autônomo Eduardo Martins de Souza, utiliza muletas e conta que as calçadas pintadas a tinta a óleo se tornam escorregadias.
Lanchoti calculou para sua tese de doutorado o índice de desempenho da caminhabilidade nos espaços públicos de Ribeirão. Nessa leitura ele constatou que os maiores problemas estão nas calçadas dos bairros nobres, em que os proprietários das casas costumam investir na calçada como se fosse uma extensão da casa, assim é comum observarmos grandes rampas para facilitar a entrada na garagem, pavimentação irregular com pedras, grama entre as placas de cimento, vasos enormes, um mobiliário urbano que trás problemas para a circulação de pedestres.
A calçada é do poder público, porém, cada um tem o direito de colocar o tipo de piso que achar melhor, desde que dentro de regras urbanísticas que prevêem o tipo de pavimentação e a o espaço que pode ser utilizado com mobiliário urbano, no entanto, a fiscalização é falha. “São poucos funcionários para muita demanda e a prefeitura tende a investir mais nas ruas do que nas calçadas”, afirma Lanchoti.
Além das dificuldades em ambientes externos, as edificações na maioria das vezes não estão preparadas para receber os deficientes, segundo Lanchoti, iniciar uma obra de maneira acessível acrescenta em torno de 0,02% no custo, no entanto, a reforma de uma construção pode aumentar em até 35% o custo em relação a uma obra não acessivel.

Todos os entrevistados, apesar dos problemas, percebem que mudanças estão acontecendo na cidade mesmo que de forma ainda tímida. Desde 2004 nenhum projeto arquitetônico é aprovado na prefeitura de Ribeirão Preto se não contemplar as questões de acessibilidade. As discussões em torno da temática ocupam a câmara dos vereadores com participação da população e são promovidos cursos na cidade e em todo o país para que engenheiros,arquitetos e agrônomos concebam projetos acessíveis.

Além das barreiras arquitetônicas

O significado de acessibilidade ultrapassa as questões físicas e de transporte, abrangendo segundo a fisioterapeuta, Letícia Holtz Barbosa também a comunicação.
A recém formada em Letras e portadora de deficiência visual Juliana Donega Bernardes, sentiu durante toda sua vida dificuldade em acompanhar as disciplinas das escolas e também na universidade pela falta de materiais disponíveis e de professores preparados para lidar com suas necessidades.
Mariela Martini relatou enfrentar os mesmos problemas. “Na faculdade são muitos textos para ler e é complicado passar todo o material para braile. Eu que consegui para a faculdade um programa especial de computador que me ajuda a acompanhar as aulas”.
Durante os estudos elas buscavam outras alternativas como gravar a fala dos professores e pedir para familiares e amigos lerem os estudos em voz alta.
As duas entrevistadas portadoras de deficiência visual relataram que se candidataram a vagas de emprego anunciadas para portadores de deficiência, porém, ao chegarem na entrevista não foram aceitas porque as empresas não estavam estruturadas para contratá-las.
De acordo com Sandra Gonçalves, faltam conscientização e participação da população nas questões que envolvem o deficiente.
A recém formada em Letras e portadora de deficiência visual Juliana Donega Bernardes, presenciou várias vezes o desrespeito em relação às vagas reservadas aos deficientes em frente a faculdade.
A ADEVIRP ( Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e região), possui impressora em braile e a disponibiliza para os associados, porém, o processo é lento e o papel para confecção do material é especial.

O corpo é o instrumento


Em 1996 nasceu um grupo musical no Brasil com uma proposta diferente: produzir som com o corpo. O bater das palmas, dos pés, a boca, estalos, batidas no peito, língua e voz são os principais instrumentos musicais destes artistas que passam pelo tribal, afoxé, samba, baião e maracatu em um resgate da cultura musical brasileira.
O trabalho foi iniciado pelo músico Fernando Barboza, conhecido como Barba, que sempre gostou da idéia de tirar sons do próprio corpo, os seus amigos apelidaram a brincadeira de Barbatuques.
A experimentação tornou-se séria quando Fernando ingressou na faculdade de música e conheceu um professor especialista em conhecimentos rítmicos. Nos últimos anos do curso, Fernando dava aulas de percussão corporal e formou sua própria escola com dois amigos: “Auê- Núcleo de Ensino Musical”.
O grupo Barbatuques foi se consolidando e em 2000 foi escolhido para participar de um projeto do Instituto Itaú de divulgação de novas vertentes musicais. Já em julho de 2002 veio o primeiro CD: Corpo do som.
Neste primeiro trabalho o grupo utilizou o que eles chamam de sintetizador humano, onde sons muito baixos como o esfregar de mãos são amplificados.
De 2003 para cá o grupo já passou pelas principais cidades brasileiras se apresentando e ministrando oficinas de percussão em instituições e escolas e também conquistaram a América Latina e Europa.
Em 2005 eles gravaram seu segundo CD nomeado “O seguinte é esse”, que conta com trechos de improvisações do grupo realizadas ao vivo nos shows.
As músicas surpreendem, sons novos se misturam a canções conhecidas e trazem uma maravilhosa sensação de alegria.

terça-feira, 25 de março de 2008

Ney Matogrosso: o homem camaleão


"Que preto/que branco/que índio o quê! /somos todos inclassificáveis"
Este é um trecho da música “Inclassificáveis”, assinada por Arnaldo Antunes que nomeia o novo show de Ney Matogrosso e não haveria nome melhor para uma apresentação que caminha pelo rock, samba, MPB, pop, maracatu e até balada espanhola.
O artista esteve no Theatro Pedro II em Ribeirão Preto no dia 13 de março. Na platéia lotada, pessoas de todas as idades acompanhavam os movimentos de Ney sobre o palco.
O show, além de ser marcado por essa mistura sonora, é um espetáculo também para os olhos. O cenário assinado por Milton Cunha tem ao fundo grandes tecidos que são trocados e iluminados acompanhando os sentimentos retratados nas canções.
A iluminação abusa de efeitos e cores, formando diversos ambientes, como uma casa à luz do luar, um bordel e uma floresta.
Ney é o “elemento” cênico principal, ele veste um macacão multicolorido do estilista Ocimar Vesolato. Usa um sofá roxo como apoio para troca de acessórios diversas vezes durante o show e chega, na metade do espetáculo, a fazer um strip-tease, deixando o figurino brilhante por uma malha cor de pele com desenhos tribais.
O cantor alcança com maestria todos os ritmos, passa do samba para a música espanhola em minutos. Ney interpreta três canções do músico Cazuza: “O tempo não pára”, “Pro dia nascer feliz” e “ Porque que a gente é assim?” , além de sucessos de Edu Lobo e Chico Buarque com “Ode aos ratos” e Caetano Veloso em parceria com Gilberto Gil em “Divino Maravilhoso”. As músicas em sua maioria já conhecidas do público fizeram com que a platéia acompanhasse de pé a apresentação.
Quando o show acaba, tem-se a impressão de que vários artistas passaram pelo palco e que, apesar dos 35 anos de carreira, Ney Matogrosso pode sempre surpreender.

Lançamentos

Ney Matogrosso optou por gravar o CD “Inclassificáveis” em estúdio, porém, com a mesma banda do show e com repertório muito parecido. O lançamento aconteceu na cidade de São Paulo no dia 28 e na próxima semana estará no Brasil todo.
Já o DVD foi gravado durante a temporada de shows na capital carioca em janeiro e será lançado em abril.
Confira o repertório do CD:
“O tempo não pára” – Cazuza/ Arnaldo Brandão
“Mal necessário” – Mauro Kwitko
“Leve” – Iara Reno/ Alice Ruiz
“ Um pouco de calor” – Dan Nakagawa
“ Novamente” – Frd Martins/ Alexandre Lemos
“Mente, Mente”- Robinson Borba
“Lema” – Carlos Rennó/ Lokaua Kanza
“Sea” – Jorge Drexler
“Porque a gente é assim?” – Cazuza/ Ezequiel Neves/ Frejat
“Coisas da vida” – Alzira Espíndola/ Itamar Assumpção
“Ode aos ratos”- Chico Buarque/Edu Lobo
“Inclassificáveis”- Arnaldo Antunes
“Veja bem, meu bem”- Marcelo Camelo
“Divino maravilhoso”- Caetano Veloso/ Gilberto Gil
“Coragem coração” – Cláudio Monjope/ Carlos Rennó

quinta-feira, 6 de março de 2008

Alma nova para a infância


Outro dia assistindo a TV Cultura me deparei com um clipe de música infantil, a música contava a história de um rato apaixonado pela lua. Foi um daqueles momentos que um sorriso se abre em seu rosto independente de sua vontade.
A bela música é assinada pela dupla Sandra Peres e Paulo Tatit que depois de trabalharem no programa Rá Tim Bum criaram em 1994 o selo independente Palavra Cantada, cujo objetivo é criar canções infantis de qualidade com letras ricas em poesia e que abusem do lúdico.
No inicio a dupla vendia sua música para um número restrito de pessoas através do telefone e correio, mas eles conquistaram sucesso de público e critica desde o primeiro trabalho.
A dupla já produziu 14 títulos, entre Cd´s e Dvd´s, e vendeu mais de quinhentas mil cópias.
Sandra e Paulo são dois contadores-cantores de histórias, nos shows há a forte presença de percussão para imitar os sons dos animais e objetos, formando uma esfera mágica que não envolve somente as crianças.
O trabalho é minucioso com a construção cuidadosa de todas as letras e melodias, abrangendo cantiga de roda, frevo, maracatu e outros ritmos brasileiros.
As letras abordam desde temas como respeitar os pais, relações com a família, alimentação e meio-ambiente de forma poética.
A colunista Bia Abramo da Folha de São Paulo, comentando o trabalho do grupo no último dia 27, falou sobre como é tolize fazer generalizações em relação aos gostos das crianças porque elas são extremamente flexíveis. Lembro que ao mesmo tempo que gostava do programa da Xuxa, passava muito tempo assistindo Rá-Tim-Bum e os dois tinham características bem diferentes.
A expansão de duplas como o Palavra Cantada talvez indique maior preocupação dos pais e educadores com o que as crianças consomem.
O último CD, lançado em janeiro, “Carnaval Palavra Cantada”, traz 13 músicas, 11 delas inéditas caminhando entre ritmos como samba, marcha e frevo e conta também com a participação do compositor Arnaldo Antunes, que já participou de trabalhos anteriores da dupla.


“Quando eu vejo meu vovô

Que é pai do meu papai

Penso que há um tempo atrás

Ele era o que eu sou

Agora sou criança

E o vovô também já foi

A vida é uma balança

Ontem, hoje e depois”
( Trecho da música “Vovô”)

Simplicidade que deu certo



Um ano na vida de uma adolescente grávida que por não se sentir preparada para cuidar de seu bebê procura pais adotivos para a criança. Esta é a sinopse de “Juno”, que aparentemente retrata um filme sem graça, mas que está surpreendendo o público e a critica com quatro indicações para o Oscar 2008: Melhor Filme, Diretor, Atriz e Roteiro Original.
O filme desde o inicio propõe uma linguagem diferente da que estamos acostumados, a abertura é toda em animação 2D, o que leva o espectador a ter uma simpatia especial pela personagem principal, Juno (Ellen Page- “MeninaMá.com”).
Juno é uma garota que faz o “tipo” punk rock, com suas calças rasgadas, camisetas velhas e cabelos despenteados, mas o seu lado criança continua vivo, como demonstram as bonecas no quarto e seu telefone em formato de hambúrguer.
O roteiro acompanha um ano na vida desta menina, que sem saber muito bem o que estava fazendo, tem sua primeira experiência sexual com um colega de escola e engravida.
O tema gravidez na adolescência é tabu e costuma trazer uma série de clichês, sobre o aborto, o sofrimento de ser mãe na hora “errada”. “Juno” supera todos os preconceitos e mostra uma personagem incrivelmente bem decidida que aprende a lidar com sua gravidez sem grandes complicações.
Assim o filme caminha pelas inseguranças de Juno, a busca pelos pais adotivos, os olhares dos colegas, as idas à ginecologista e a descoberta de uma paixão.
A trilha sonora é linda, composta basicamente de voz e violão, leva quem está assistindo a se envolver com o confuso mundo da garota.
Em boa parte do filme tem-se a impressão de que todos os personagens são excêntricos, as falas são simplistas e não revelam muito de cada personagem, porém, com o andamento da história, os gestos e a relação de cada um com Juno tornam suas personalidades surpreendentes por serem apenas humanos, cheios de fraquezas e medos.
É difícil classificar este filme, não é um drama, nem comédia, mas é possível rir e chorar com esta história, que prova o quanto a vida pode ser simples.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Novos olhares sobre o Afeganistão


Sete anos se passaram após o fatídico dia 11 de setembro e, provavelmente em todos estes anos, não passou um dia sem que os jornais noticiassem as guerras no Oriente Médio. O mundo todo voltou os olhos sobre os países do Oriente quando a maior potência mundial tomou a decisão de intervir na política afegã.
A história do Afeganistão é marcada por guerras, o país se constitui por uma miscelânea de grupos étnicos que lutam por seus ideais políticos e crenças, na maioria das vezes, de maneira violenta. Além de suas lutas internas os países mais poderosos do mundo já travaram lutas envolvendo os afegãos, em 1979 o país foi invadido pela União Soviética, o que causou um reviravolta política e militar.
Após a retirada dos soviéticos houve uma violenta guerra civil que foi concluída com a apropriação das forças talebãs, que são islâmicos extremistas e cultivam leis aparentemente absurdas como a proibição da leitura de livros fora o Alcorão, mulheres não podem sair de casa sem a companhia de um homem e devem usar a burca, entre outros.
Em 2001, após o governo Talebã se recusar a entregar Osama Bin Laden, os Estados Unidos iniciaram sua guerra, aparentemente contra o terrorismo.
Ouvimos tanto sobre as diversas guerras e ocupações que se alastram no Oriente Médio que as informações se banalizam, nos sentimos distantes de uma guerra que nem sempre compreendemos.
O escritor afegão Khaled Hosseini nos ajuda a entender a complexidade de sua cultura com dois romances sobre personagens que sofreram as conseqüências da guerra e, mesmo assim, conseguiram seguir em frente com suas vidas. Os livros são o reconhecido “O Caçador de Pipas”, que já vendeu mais de oito milhões de cópias no mundo e “A Cidade do Sol”, lançado em agosto de 2007 no Brasil.

O universo masculino
“O Caçador de Pipas” é uma história narrada por homens que vivem em uma sociedade onde é necessário que assumam um papel de austeridade.
A história inicia-se nos anos 70, em um Afeganistão bem diferente do que vemos hoje. A trama é contada por Amir, filho de um homem rico e respeitado na comunidade afegã.
Amir é um menino tímido que passa a infância em seu quarto escrevendo e fugindo de encrencas. Ele tem um amigo fiel que o protege e o idolatra, Hassan, que além de seu amigo é criado da casa de seu pai.
Hassan se divide entre os trabalhos domésticos e os cuidados com o amigo, os dois mantém uma forte amizade, porém, a maneira como o pai trata Hassan incomoda muito Amir, ele se sente rejeitado por não ser o que o pai esperava que fosse.
O menino não consegue ajudar Hassan quando este está em perigo e com vergonha de se mostrar covarde, toma atitudes que o distanciam do amigo.
Algum tempo depois, Hassan foge da guerra com seu pai para os Estados Unidos e lá constrói uma nova vida, continua seus estudos, casa-se e lança um livro. Aparentemente seus vínculos com o Afeganistão estão rompidos, no entanto, ele tem uma oportunidade de voltar ao seu país e enfrentar os erros do passado.
A obra recentemente, virou filme e já está nos cinemas do país. O filme buscou ser fiel ao livro, o que não é uma tarefa simples, já que este é extremamente instigante e é reconhecido como um dos maiores sucessos da literatura mundial nos últimos tempos.
A direção é de Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca), que sabiamente o produziu com atores afegãos, falando em sua língua natal. Forster optou por contar a história sem grandes preocupações com jogos de câmera, porém, mostrando todos os fatos mais importantes narrados na versão literária.
Apesar de todo o esforço de aproximação da história com o roteiro, o filme deixa a desejar quando resume excessivamente a infância dos personagens principais e a relação de Amir com seu pai.

Mulheres sem rosto
Em seu segundo livro “A Cidade do Sol”, Hosseini se aproxima do universo das mulheres afegãs. São duas histórias de lugares e épocas distintas que se encontram em um momento de sofrimento.
O livro começa relatando a história de Mariam, uma criança que vivia em um casebre afastado da cidade com sua mãe. Ela é filha de um relacionamento proibido e seu pai, Jalil, faz visitas regulares para ela, no entanto, a mantém longe dos olhos da sociedade da cidade onde vive, Cabul.
A vida de Mariam é marcada por perdas e sofrimento, ela passa a vida deixando seus desejos de lado em nome do opressor mundo masculino afegão.
Quando Mariam faz 33 anos sua história se encontra com a de Laila, uma menina de 14 anos, que até aquele momento tinha uma vida feliz. A guerra une estas duas mulheres e as faz viver sobre o mesmo teto.
As duas obras são enriquecidas com personagens secundários que colaboram para a compreensão da realidade afegã, assim o autor mantém a preocupação com a cronologia e com o relato dos acontecimentos políticos e sociais.
Hosseini tem uma grande capacidade de aproximar o leitor de seus personagens, a sensação que se tem quando o livro acaba é uma mistura de alegria e tristeza, alegria por ter estado em companhia de “pessoas” com grande força de superação que ensinam a valorizar todas as pequenas coisas da vida e tristeza, porque o livro acabou e agora é preciso buscar algo novo na estante.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Tráfico: um assunto em aberto


Após toda a repercussão de “Tropa de Elite”, um novo filme brasileiro vem discutir o tráfico de drogas, desta vez de outro parâmetro, mais emocional.
“Meu nome não é Johnny” estreou nos cinemas em 4 de janeiro e em sua segunda semana de exibição alcançou os 500 mil espectadores.
O filme é baseado na biografia de João Guilherme Estrela, escrita pelo jornalista Guilherme Fiúza e lançada em 2004. Nascido em uma família de classe média alta carioca, ele acabou se tornando um dos maiores vendedores de droga do Rio de Janeiro, sem nunca ter colocado os pés na favela.
A maneira que o diretor Mauro Lima filmou a história não busca discutir somente como o sistema carcerário é falho ou como vivemos em uma sociedade violenta, mas essencialmente coloca a questão da perda de limites e a vertiginosa capacidade humana de superação.
João no filme é vivido pelo ator Selton Mello, que assume um papel carismático e divertido. O espectador se envolve com o personagem, encontra nele alguns dos desejos da adolescência, de conquistar a liberdade de qualquer forma.
Inteligente e adorado pelos amigos, João aproveitou sua adolescência na movimentada Rio de Janeiro dos anos 80. Do primeiro cigarro de maconha, ele partiu para drogas mais pesadas como cocaína, o que era só uma brincadeira no inicio, se transformou em profissão, vendendo para amigos, ele transformou a casa dele em uma grande festa, onde amigos e clientes circulavam o tempo todo. Em uma destas festas ele conheceu Sofia (vivida por Cléo Pires), que foi sua companheira durante todos os anos de tráfico.
Conhecido por boa parte dos usuários da cidade, ele foi procurado por um distribuidor de cocaína e fez sua primeira viagem internacional para transportar droga para a Europa. João sempre ganhou muito dinheiro, porém, ele gastava tudo com festas, viagens e mais drogas, para seu consumo e de seus amigos.
Depois dessa viagem à Europa seu nome entrou para a lista de procurados da polícia, ele foi pego e passou pela carceragem da polícia federal e dois anos em um manicômio judiciário.
A vida deu uma grande volta, João agora é produtor, musico e dá palestras sobre o processo de produção do livro e também do filme, que acompanhou de perto. Em suas entrevistas diz que há a necessidade de discutir a questão das drogas no Brasil sem hipocrisia e lição de moral.
Existem grandes diferenças entre a forma como “Tropa de Elite” e “Meu nome não é Johnny” tratam a questão da droga no país. As épocas são distintas, da década de 80 para cá muita coisa mudou, “Tropa de Elite” lida diretamente com a violência, enquanto “Meu nome não é Johnny” de certa forma a romantiza. Entretanto, as duas histórias enriquecem muito as discussões em torno das temáticas que envolvem a droga, como a violência e a desigualdade social.
O filme vale a pena ser visto e principalmente discutido.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Trilogia Emocional

Personagens diferentes, lugares distintos e emoções vinculadas por fatores aparentemente incompreensíveis. O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu assinou três filmes, que valem a pena ser vistos, unidos pelas emoções humanas: “Amores Brutos”(2000) ,“ 21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006).
A trilogia que utiliza narrativas fragmentadas, segundo o diretor é baseada na teoria do caos, conhecida pelo exemplo do efeito borboleta, em que o batimento das asas de uma borboleta em um lugar do planeta influi de alguma maneira em acontecimentos em outra parte do globo. Os que crêem nesta teoria supõem que o mundo está todo ligado por complexas conexões que estão sempre em movimento, assim fatores aparentemente insignificantes podem influir na mudança de acontecimentos maiores.
Todos nós já pensamos nisto, em como uma atitude pode mudar totalmente o desenrolar da vida. Os filmes citados nos fazem reavaliar nossa relação com a vida, especialmente a maneira de lidar com as pessoas dentro do nosso cotidiano.
A relação de pais e filhos está presente nos três filmes, porém, em “Amores Brutos” a história toda se passa no México, já em “ 21 Gramas” a perspectiva passa a ser estrangeira, com a história sendo contada nos Estados Unidos e em “Babel” as fronteiras de língua e espaço são ultrapassadas.
“Amores Brutos” tem como tema central como o nome já indica, a paixão desmedida. Estrelado por Gael García Bernal, o roteiro relata a história de dois triângulos amorosos e um personagem enigmático que se aproximam por um acidente de carro e um cachorro.
Este primeiro filme é o mais agressivo dos três, Iñarritu não poupou cenas sanguinolentas que acabam por discutir também as questões da vida na cidade grande (neste caso a Cidade do México), como a violência urbana e as diferenças sociais.
O que mais me chamou a atenção na obra de Iñarritu foi “21 Gramas” , é um filme inteiramente falado em inglês, estrelado por Sean Penn, mas que tem um “quê” de filme latino.
O que se apresenta ao espectador é um grande quebra- cabeça de histórias que avançam e recuam no tempo de maneira alucinante, é bom grudar os olhos na tela, porque todos os detalhes são importantes.
Dizem que quando morremos perdemos 21 gramas de nosso peso, e este seria o peso da alma, verdade ou não, o filme busca expressar a confusão de sentimentos dos personagens e deixa várias questões como a crença em Deus, em outras vidas, a esperança e o porque de estarmos vivos.
Você não obterá nenhuma resposta, mas provavelmente irá repensar em como lida com o passado e em quanto cultiva o sofrimento aparentemente sem motivo. Ao terminar, o desejo de busca pela felicidade que este filme provoca é intenso.
“Babel” vem finalizar com maestria este “tratado” sobre os sentimentos humanos, o tema central agora é a dificuldade de comunicação através de temas que são pauta nos jornais diariamente: terrorismo,autoritarismo e imigração. Estrelado por rostos conhecidos como Brad Pitt e Cate Blanchett, trás também novos e brilhantes atores marroquinos e japoneses.
O filme começa em Marrocos, com um grupo de turistas americanos em um ônibus atingido por uma bala, que para eles em sua paranóia está ligada ao terrorismo. Os filhos de um dos casais do ônibus está nos Estados Unidos com a babá mexicana, que pretende passar alguns dias com a família em sua cidade natal.
Paralelo a esta primeira seqüência há uma menina surdo-muda que vive em Tóquio, uma cidade extremamente globalizada. Assim o roteiro caminha pelos contrastes culturais dos quatro países.
Os três filmes são marcados por personagens que levam seus sentimentos até as últimas consequências. De certa forma somos todos assim em relação à quem amamos.
“Somos o que somos por causa do outro. Somos os outros, num certo ponto” disse Iñarritu em entrevista coletiva concedida em 2006.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Uma obra para repensar o cotidiano


Duas vidas unidas por um acidente de carro. O que pode parecer uma idéia já repetida muitas vezes na história do cinema é surpreendentemente bem trabalhada no filme brasileiro “Não Por Acaso” (2007).
Este é o primeiro longa do diretor Philippe Barcinski, que têm em seu currículo curtas, que também valem a pena ser vistos: Palíndromo( 2002) e Janela Aberta(2001). Os dois curtas citados desenvolvem-se em torno da mesma temática do longa: o caos interno frente a uma grande cidade.
O filme foi todo gravado em São Paulo e a cidade não é só o cenário, mas também um dos personagens, transmitindo através de imagens simples, como o tráfego das avenidas paulistas, sentimentos presentes nos dois personagens principais, Ênio (Leonardo Medeiros) e Pedro (Rodrigo Santoro).
Ênio é um engenheiro de tráfego que passa seus dias a observar as ruas da cidade e a evitar os engarrafamentos. Ele vive sozinho e tem uma rotina monótona, é pai de uma adolescente que não o conhece, fruto de um casamento mal sucedido.
Em paralelo há a história de Pedro, um jovem que como seu pai, vive de construir mesas de sinuca. Ele mora com sua namorada, no fundo da marcenaria e parece não querer nunca sair do mundo que sempre viveu, é um personagem também solitário que busca controlar a vida como controla as bolas de sinuca.
Os dois tem uma experiência que modifica parte de seus conceitos, mulheres saem de suas vidas intempestivamente e trazem por acaso outras mulheres que irão ter um novo papel no modo como cada um deles encara a realidade.
O filme se diferencia de boa parte das produções brasileiras que tendem ao romance novelesco, abusando do sexo e de interpretações exageradas. A trilha sonora assinada por Antonio Pinto acompanha com maestria cada momento da história, tornando o filme ainda mais apaixonante.
Todos os personagens de “Não por Acaso” são muito realistas e seus medos e desejos ficam em evidência a cada ação, o que faz com que o espectador se identifique com os personagens e lide com os temas filosóficos que são colocados no roteiro(assinado também por Barcinski) , como o uso da razão e da emoção.
Uma bela obra sobre os acasos da vida, que tornam a vivência do cotidiano interessante.