quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Os ribeiraopretanos que a cidade não vê


O asfalto do bairro Ribeirão Verde acaba e entro em uma outra cidade, onde as ruas são de terra e as casas são barracos construídos com lona, ferro e madeira. Ainda há muita cana, mas apesar dos barracos serem próximos uns dos outros é possível ver pequenas hortas e criações de animais, como porcos e galinhas. Há apenas 14 quilômetros do centro de Ribeirão Preto, 454 famílias vinculadas a três movimentos sociais (MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra, MLST- Movimento de Libertação dos Sem Terra e um movimento independente conhecido como Índio Galdino), dividem há cinco anos os 1.500 hectares da antiga fazenda da Barra, hoje conhecida como assentamento Mário Lago.
A rotina para a maioria começa às 5h30, pois é preciso fazer o café, esperar o ônibus escolar para levar as crianças e ir até ao poço, ou ao Rio Pardo pegar água para cuidar das criações. As famílias não têm água encanada ou energia elétrica, mas mantém a geladeira na cozinha, mesmo que empoeirada, para quando a energia chegar. Apesar do Rio Pardo margear parte do assentamento, as famílias que estão distantes dependem da água fornecida pelos caminhões pipa do DAERP (Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto) quinzenalmente. Por isso nas ruas é comum se ver baldes e caixas d’água em frente aos barracos.
As histórias dos assentados são muitas. Ao caminhar pelas ruas, vê-se no alto do morro uma horta bem verde que contrasta com a tonalidade marrom do assentamento. Ali vive a aposentada Luzia Cândido da Silva, que recebe com um sorriso estampado no rosto: “Pode entrar. O barraco é simples, você desculpe a bagunça”. Luzia chegou ao assentamento sem saber muito bem o que ele significa. “Viemos eu e meu marido, Sebastião, iludidos, achando que a terra seria da gente no mesmo dia”. O sonho de voltar a viver na roça, fez o casal vender a casa no bairro Cândido Portinari e morar em um barraco de madeira sobre o chão de terra batida. Três dos sete filhos seguiram o sonho do casal e atualmente dividem o terreno, a criação de porcos e o trabalho na horta, que só foi possível depois da família comprar uma roda d’água que traz água direto do rio.
Na horta tem alface, rúcula, rabanete, couve, beterraba, cheiro verde e salsinha. “Isso é porque estamos na época da seca”, vem logo explicando Luzia. A produção toda, realizada sem agrotóxicos, alimenta a família e é vendida aos sábados em frente o supermercado do Bairro Ribeirão Verde ou através da CONAB ( Companhia Nacional de Abastecimento), um projeto do Governo Federal que repassa as produções dos pequenos agricultores às entidades assistencialistas. Apesar da produção, ainda não é possível que a família toda se sustente no assentamento, Sebastião recebe aposentadoria e os filhos ainda fazem “bicos” na cidade.
As famílias que moram no local e estão sob coordenação do MST são organizadas em 20 núcleos com aproximadamente 14 famílias em cada um, subdivididos em setores: coordenação geral, segurança, saúde, secretaria, educação, direitos humanos e esporte/cultura/lazer. Cada núcleo tem um espaço de reuniões com nome de figuras importantes para os movimentos de esquerda, como Che Guevara, Zumbi dos Palmares e Rosa Luxemburgo. As coordenações gerais de cada núcleo realizam reuniões semanais para discutir os problemas do assentamento. Diante das dificuldades alguns assentados se reúnem para conseguir manter as pequenas plantações. Foi o que fez o aposentado Vítor Donizete Ribeiro ao unir-se com seu vizinho para manterem uma horta.
Donizete se orgulha da dupla, que já conseguiu vender algumas caixas de verdura. “Plantamos milho, abóbora, berinjela e chuchu”. A água é trazida do poço, que fica há cerca de 10 minutos carregando os tambores em uma carroça. Para arar a terra eles pagam a uma pessoa da cidade. A esposa de Donizete, Maria Luiza dos Santos, faz questão de mostrar seu barraco, que tem até banheiro com chuveiro. “A água desce da caixa quentinha por causa do sol”. Apesar do ânimo do casal a incerteza sobre o futuro incomoda Donizete. “Queria abrir os olhos de manhã e saber o que fazer, mas sem saber se esse pedaço de terra é meu, fica muito difícil”.
De acordo com a coordenação do MST, as terras que pertenciam à Fundação Sinhá Junqueira foram consideradas improdutivas após uma vistoria do INCRA em 2000. Em 2003, cerca de 250 famílias ocuparam, durante quatro meses, as terras do Sítio Bragueto, vizinho da Fazenda. Logo após foram transferidos para uma área conhecida como Flamboyants, pertencente ao município. A primeira ocupação da área da Fundação aconteceu em agosto de 2003, porém, pouco tempo depois as famílias tiveram que sair após um pedido de reintegração de posse. Após seis meses, novamente o MST ocupou a terra e vive lá até hoje.
No entanto, algumas famílias não concordaram com o MST e um ano após a ocupação se dividiram em dois outros grupos: MLST e Índio Galdino. Atualmente, o Incra está realizando reuniões com todas as famílias para dividir oficialmente as terras, que serão de 3,14 hectares para cada uma. Elas vão receber também fomento do Governo Federal para a habitação e início da produção, num valor em torno de R$ 9.400 em materiais agrícolas e de construção para cada família.
Esse pedaço de terra, de 3,14 hectares, é suficiente apenas para criação de pequenos animais e pequenas plantações. Segundo o coordenador do assentamento, Sirlei Moreira Ramos, esse tamanho de lote será o menor dentre os assentamentos do país, que chegam a ter 20 hectares por família. Tal modelo é chamado Comuna Urbana e é uma nova forma de pensar a reforma agrária perto dos grandes centros. “A proposta é ter o auto-sustento e fornecer alimentos orgânicos para os centros consumidores através de cooperativas que integrem as famílias dos assentados, envolvendo todos na produção”. O papel da prefeitura, ainda segundo Sirlei, é fornecer saúde e educação aos assentados. Já a infra-estrutura é toda responsabilidade do Incra.
Em um barraco que marca a divisão do núcleo Che Guevara vive a dona de casa e coordenadora, Sônia Cristina Ribeiro, que chegou ao assentamento há quatro anos, seguindo o sonho do marido de ter sua própria terra para criar animais. “Agora a terra para mim não tem valor igual tinha. Eu aprendi a gostar daqui pelas pessoas, a terra ficou em segundo plano, para mim é importante estar aqui nesta comunidade, com essas pessoas”. Sônia acredita que o assentamento conseguirá ser independente da cidade, apesar de reconhecer que esta independência é relativa, pois precisam do centro urbano para vender a produção, mas ela imagina “um posto de saúde, uma escola, uma cooperativa, um mercado, essa coisas que tem na cidade, tudo aqui”.
A família, apesar da criação de porcos e galinhas, não consegue se sustentar apenas do assentamento, por isso, o marido de Sônia ainda trabalha na cidade, como pedreiro. A situação se repete na casa de Elen da Silva Aguiar, em que o marido trabalha como servente de pedreiro. Com três filhos, e rosto de menina, ela carrega na bagagem uma história de mais de 14 anos acompanhando o Movimento Sem Terra. Nas paredes do barraco panelas, enfeites, fotos e um cartaz de 2000 com uma foto do Lula com o boné do MST. Por que vocês deixam esse cartaz aqui? – “Para nunca esquecer do que ele prometeu”. Elen busca uma definição para reforma agrária, mas tem dificuldade de encontrar as palavras. “Eu gosto do rural, porque a gente tem mais liberdade, a gente pode ficar com as portas abertas, sem muros, sem medo. Aqui tem a natureza e eu não ligo que não tem água encanada, nem luz, meus filhos já se acostumaram com essa vida”
No meio da conversa chegam Beatriz Aguiar Viana, 12 anos, filha mais velha de Elen e sua amiga, Daniela Ingrid Barbosa, 13. As duas estão na 6a. série na Escola Estadual Expedicionários Brasileiros no bairro São José. Na escola as meninas já sofreram muito com o preconceito, até as professoras falavam mal do MST. Mas agora as relações melhoraram, algumas colegas até têm vontade de conhecer o assentamento. “Tem duas amigas que gostam daqui, acho que se elas pudessem elas morariam aqui, mas elas vêm até ali na portaria e não entram”, conta Daniela.
Esse cotidiano de pequena vila, é também a vida de Rafaela de Jesus Lima. A família da jovem, de 21 anos, foi para o assentamento para fugir do aluguel. Lá conheceu o marido, David Ribeiro, e aprendeu a gostar da vida fora da cidade. Quando fala do futuro, Rafaela, que espera o primeiro filho, coloca as mãos na barriga. “Sonho é criar meus filhos aqui e ver isso aqui um lugar bonito, a coisa mais linda, com cara de fazenda, com um pomar cheio de fruta para gente comer”.

Tradição que sobrevive


Músicas sobre a chegada de Jesus, vestes coloridas, sorrisos nos rostos e uma fé que impressiona. Em novembro começam as peregrinações das Companhias de Folia de Reis de todo o Brasil para o grande dia: 6 de janeiro, quando é comemorado o dia de Santos Reis. A tradição que vem da roça chega a 2008 com algumas mudanças, mas com o mesmo clima de fé e esperança.
A jornada dos reis Magos do Oriente é a essência da celebração da Folia de Reis que reúne fiéis conduzidos pela crença e devoção religiosa de diversos países da Europa e América, contribuindo para o desenvolvimento de tradições populares.
O principal símbolo de cada companhia de Reis é a bandeira que é um canal de comunicação, por ser sempre o primeiro elemento da Folia e é levada pelo bandeireiro ou alferes, que a carrega como cumprimento a alguma promessa. A bandeira traz uma imagem bíblica da Sagrada Família: Menino Jesus, São José e Virgem Maria na manjedoura, os Três Reis Magos e animais. Os fiéis prendem a esta imagem fotos, figuras de Santos, fitas e pedidos que representam preces, promessas e agradecimentos.
Logo atrás da bandeira vêm os guardiões, que são os palhaços, o capitão, mestre ou embaixador que muitas vezes é a pessoa responsável pela companhia e é quem puxa os versos; o contra-mestre que é quem faz a segunda voz e os demais elementos que cantam e tocam instrumentos como violas, violões, sanfonas, cavaquinhos, pandeiros, caixas e castanholas. Os músicos são nomeados de acordo com a sua posição de voz.
As nomenclaturas, símbolos e a maneira de cantar dependem de cada região do país. A formação da Folia de Reis é composta de elementos da cultura ibérica, que trazem em sua bagagem traços da cultura árabe, e no Brasil sofreram incorporações também da cultura negra e indígena, o que originou uma tradição rica em sincretismos religiosos.
Tal força da religiosidade, neste caso especialmente do catolicismo, também se explica pela colonização brasileira em que os conquistadores utilizaram a religião como maneira de integração entre as diversas etnias.
Todos vestem uniformes coloridos e os instrumentos musicais são ornados com faixas coloridas. Apesar de toda cor os palhaços são os elementos que chamam mais atenção com suas máscaras, apitos e seu dançar contínuo. Eles representam os protetores do menino Jesus e também protegem a bandeira da Companhia, para isso carregam um bastão, além de levarem uma pequena bolsa para colocarem as “esmolas”. Estes personagens mostram a mistura de ritos cristãos e pagãos em uma cerimônia da Igreja Católica.
A vestimenta é uma maneira de cada envolvido no evento se tornar representante de um ato maior, em que é protagonista. Estes elementos que compõem a vestimenta destacam a criatividade da população que, apesar das dificuldades materiais, utilizam suas formas de arte para celebrar seus rituais, o que revela o quanto estas manifestações preenchem internamente os que delas participam, afirma Victor Júnior Ferreira, que participa da Folia de Reis em Ribeirão Preto há 12 anos. “É uma tradição realmente movida pela fé”.
Os versos, na maioria, são passados oralmente de pai para filho ou improvisados e quando as companhias visitam as casas, as rimas são construídas de acordo com a promessa ou devoção daquela família.
Com o passar dos anos, a Folia de Reis sofreu diversas transformações, a maioria delas ligadas à mudança de costumes com a urbanização. Na área rural a Folia de Reis começava na noite de natal e os cristãos cantavam todos os dias e noites em peregrinação, por todas as casas das vilas e fazendas, sem retornarem para seus lares, até seis de Janeiro, atualmente as companhias cantam e visitam casas de fiéis, quando convidados, durante 13 finais de semana (a tradição conta que a viagem dos reis magos durou treze dias), devido aos trabalhadores não poderem faltar do serviço durante a semana, para participarem da peregrinação.
A partir destas manifestações é possível compreender como o passado e o presente de uma determinada sociedade se articulam. Antes da ampliação dos meios de comunicação as festas eram um dos principais meios da população se afirmar como coletividade. Hoje, vivemos uma época de individualidade e as festas reafirmam as identidades.
Por este resgate através de elementos artísticos e culturais diversos como textos, músicas, danças, imagens, oralidades, crenças, costumes e tantos outros a festa se constitui também como um atrativo turístico e revela para as novas gerações uma manifestação de cultura e de fé.

Um recorte da História

Mídia, uma palavra tão utilizada na atualidade e que envolve tantos significados, mas afinal como este termo surgiu e como se tornou tão comum?
Foi na década de 1920 que se começou a falar de mídia, e já nos anos 50 entrávamos na chamada revolução da comunicação. O interesse pela comunicação é muito mais antigo, já que na Idade Média haviam estudos sobre retórica, porém, a comunicação como entendemos hoje, com seus meios de transmissão tem uma história relativamente curta.
A invenção da prensa gráfica por Gutemberg em 1450 é tida por alguns historiadores como a marca do início desta trajetória. Por volta de 1500 havia máquinas de impressão em mais de 250 lugares da Europa e cerca de 13 milhões de livros estavam circulando pelo continente entre 1450 e 1500.
Um dos grandes momentos desta história foi a Reforma Protestante, em que Martin Lutero amplia a comunicação. Mais de 80% dos livros publicados em 1532 tratavam da Reforma da Igreja.
Já em 1700 os jornais passam a ter cada vez mais importância para a sociedade européia, no entanto, é importante ressaltar que a comunicação oral continuava tendo relevância, muitas vezes as pessoas se reuniam em clubes e cafés para ouvirem os jornais sendo lidos em voz alta.
Com o crescimento dos jornais o setor da publicidade ganha mais espaço. Em 1700 também começam as primeiras discussões em torno da veracidade dos jornais e os debates políticos passam cada vez mais a fazer parte da vida da população.
Outro momento crucial foi a publicação da Enciclopédia entre 1751 e 1765 que tinha como objetivo despertar a consciência política e transmitir conhecimento, alcançando todas as camadas sociais.
Em 1814 foi criada a prensa à vapor que permitiu a produção de mil exemplares por hora, tal invenção é um dos marcos da revolução Industrial influenciando diretamente na comunicação.
A história da comunicação está vinculada também ao desenvolvimento do transporte, quando há a expansão das ferrovias as relações com o tempo e o espaço se modificam, nascem os guias de viagem e pequenos livros para ler durante o trajeto conhecidos como literatura ferroviária.
Com a invenção do telégrafo em 1837 a comunicação dá um grande passo, ligando os países uns com os outros. Anos depois, em 1876, a invenção do telefone revoluciona as maneiras de se comunicar e em 1897 começam as primeiras transmissões radiofônicas.
O cinema segue seu caminho paralelamente ao desenvolvimento sonoro, com a invenção do cinematógrafo por Lumiére em 1895.
A industrialização trouxe novos significados à comunicação, pois era necessário que os meios se tornassem mais confiáveis. O entretenimento também passa a ganhar novos conceitos, especialmente com o advento da televisão na década de 1930.
Comunicação passa a ser tema de estudos e nascem as primeira Teorias da Comunicação. Em 1960 surgem os primeiros cursos de pós graduação.
Em 2000 a internet ganha o mundo e adentramos uma nova era da comunicação, ainda a se revelar.
Apesar de tantas mudanças o velho e o novo coexistem e a cada avanço as antigas tecnologias são desafiadas a serem repensadas.

As várias cores do céu



Existem momentos que nos fazem repensar toda a nossa relação com a vida. Foi assim reflexiva e com olhos cheios de lágrimas que me senti após assistir o longa italiano: “Vermelho como o Céu”( 2006).
A direção é assinada por Cristiano Bortone, e o roteiro assinado pelo próprio diretor que retrata a história real do editor de som, Mirco Mencacci, que é deficiente visual desde os oito anos, após sofrer um acidente em casa.
Com a perda da visão muita coisa mudou na vida do menino, que passou a estudar em uma instituição especial - pois na década de 70, na Itália os deficientes visuais não podiam freqüentar as aulas “normais”- e a ter percepções diferentes de uma de suas maiores paixões: o cinema.
A história começa em uma vila de Toscana e as imagens claras e coloridas nos remetem a infância de cidade pequena e às brincadeiras na rua. Após o acidente Mirco (Luca Capriotti) tem de se mudar para uma escola especial em Genova.
A partir dali o filme ganha um tom mais poético, transmitindo as sensações de Mirco, que agora passa a desenvolver seus outros sentidos e descobre seu grande talento: lidar com os sons. Apesar do tom dramático da história, a escolha dos personagens que convivem com Mirco e das situações que passam juntos nos levam a boas risadas.
Umas das cenas mais marcantes são as que Mirco busca com um gravador recuperar os sons da natureza que expressam as quatro estações, neste momento os sons do filme junto com as imagens simples da chuva, das flores nos fazem querer fechar os olhos para tentar perceber o mundo como o personagem o sente.
O grande desafio do menino passa a ser lidar com as rígidas regras da escola, que é dirigida por um padre também deficiente visual, que não acredita que é possível ser feliz com esta deficiência e busca de várias maneiras impedir o desenvolvimento da imaginação dos garotos. O personagem do diretor e alguns outros que passam pela trajetória de Mirco nos levam a pensar nos diversos tipos de cegueira.
Porém, Mirco se revela um grande contador de histórias pelo som e passa a envolver toda a escola em suas fantasias sonoras.
O filme foi selecionado como melhor filme de ficção na 30 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2006, no voto do público e ganhou prêmios na Itália, Bélgica e Canadá.
Uma obra que vale a pena ser sentida.