quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Tráfico: um assunto em aberto


Após toda a repercussão de “Tropa de Elite”, um novo filme brasileiro vem discutir o tráfico de drogas, desta vez de outro parâmetro, mais emocional.
“Meu nome não é Johnny” estreou nos cinemas em 4 de janeiro e em sua segunda semana de exibição alcançou os 500 mil espectadores.
O filme é baseado na biografia de João Guilherme Estrela, escrita pelo jornalista Guilherme Fiúza e lançada em 2004. Nascido em uma família de classe média alta carioca, ele acabou se tornando um dos maiores vendedores de droga do Rio de Janeiro, sem nunca ter colocado os pés na favela.
A maneira que o diretor Mauro Lima filmou a história não busca discutir somente como o sistema carcerário é falho ou como vivemos em uma sociedade violenta, mas essencialmente coloca a questão da perda de limites e a vertiginosa capacidade humana de superação.
João no filme é vivido pelo ator Selton Mello, que assume um papel carismático e divertido. O espectador se envolve com o personagem, encontra nele alguns dos desejos da adolescência, de conquistar a liberdade de qualquer forma.
Inteligente e adorado pelos amigos, João aproveitou sua adolescência na movimentada Rio de Janeiro dos anos 80. Do primeiro cigarro de maconha, ele partiu para drogas mais pesadas como cocaína, o que era só uma brincadeira no inicio, se transformou em profissão, vendendo para amigos, ele transformou a casa dele em uma grande festa, onde amigos e clientes circulavam o tempo todo. Em uma destas festas ele conheceu Sofia (vivida por Cléo Pires), que foi sua companheira durante todos os anos de tráfico.
Conhecido por boa parte dos usuários da cidade, ele foi procurado por um distribuidor de cocaína e fez sua primeira viagem internacional para transportar droga para a Europa. João sempre ganhou muito dinheiro, porém, ele gastava tudo com festas, viagens e mais drogas, para seu consumo e de seus amigos.
Depois dessa viagem à Europa seu nome entrou para a lista de procurados da polícia, ele foi pego e passou pela carceragem da polícia federal e dois anos em um manicômio judiciário.
A vida deu uma grande volta, João agora é produtor, musico e dá palestras sobre o processo de produção do livro e também do filme, que acompanhou de perto. Em suas entrevistas diz que há a necessidade de discutir a questão das drogas no Brasil sem hipocrisia e lição de moral.
Existem grandes diferenças entre a forma como “Tropa de Elite” e “Meu nome não é Johnny” tratam a questão da droga no país. As épocas são distintas, da década de 80 para cá muita coisa mudou, “Tropa de Elite” lida diretamente com a violência, enquanto “Meu nome não é Johnny” de certa forma a romantiza. Entretanto, as duas histórias enriquecem muito as discussões em torno das temáticas que envolvem a droga, como a violência e a desigualdade social.
O filme vale a pena ser visto e principalmente discutido.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Trilogia Emocional

Personagens diferentes, lugares distintos e emoções vinculadas por fatores aparentemente incompreensíveis. O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu assinou três filmes, que valem a pena ser vistos, unidos pelas emoções humanas: “Amores Brutos”(2000) ,“ 21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006).
A trilogia que utiliza narrativas fragmentadas, segundo o diretor é baseada na teoria do caos, conhecida pelo exemplo do efeito borboleta, em que o batimento das asas de uma borboleta em um lugar do planeta influi de alguma maneira em acontecimentos em outra parte do globo. Os que crêem nesta teoria supõem que o mundo está todo ligado por complexas conexões que estão sempre em movimento, assim fatores aparentemente insignificantes podem influir na mudança de acontecimentos maiores.
Todos nós já pensamos nisto, em como uma atitude pode mudar totalmente o desenrolar da vida. Os filmes citados nos fazem reavaliar nossa relação com a vida, especialmente a maneira de lidar com as pessoas dentro do nosso cotidiano.
A relação de pais e filhos está presente nos três filmes, porém, em “Amores Brutos” a história toda se passa no México, já em “ 21 Gramas” a perspectiva passa a ser estrangeira, com a história sendo contada nos Estados Unidos e em “Babel” as fronteiras de língua e espaço são ultrapassadas.
“Amores Brutos” tem como tema central como o nome já indica, a paixão desmedida. Estrelado por Gael García Bernal, o roteiro relata a história de dois triângulos amorosos e um personagem enigmático que se aproximam por um acidente de carro e um cachorro.
Este primeiro filme é o mais agressivo dos três, Iñarritu não poupou cenas sanguinolentas que acabam por discutir também as questões da vida na cidade grande (neste caso a Cidade do México), como a violência urbana e as diferenças sociais.
O que mais me chamou a atenção na obra de Iñarritu foi “21 Gramas” , é um filme inteiramente falado em inglês, estrelado por Sean Penn, mas que tem um “quê” de filme latino.
O que se apresenta ao espectador é um grande quebra- cabeça de histórias que avançam e recuam no tempo de maneira alucinante, é bom grudar os olhos na tela, porque todos os detalhes são importantes.
Dizem que quando morremos perdemos 21 gramas de nosso peso, e este seria o peso da alma, verdade ou não, o filme busca expressar a confusão de sentimentos dos personagens e deixa várias questões como a crença em Deus, em outras vidas, a esperança e o porque de estarmos vivos.
Você não obterá nenhuma resposta, mas provavelmente irá repensar em como lida com o passado e em quanto cultiva o sofrimento aparentemente sem motivo. Ao terminar, o desejo de busca pela felicidade que este filme provoca é intenso.
“Babel” vem finalizar com maestria este “tratado” sobre os sentimentos humanos, o tema central agora é a dificuldade de comunicação através de temas que são pauta nos jornais diariamente: terrorismo,autoritarismo e imigração. Estrelado por rostos conhecidos como Brad Pitt e Cate Blanchett, trás também novos e brilhantes atores marroquinos e japoneses.
O filme começa em Marrocos, com um grupo de turistas americanos em um ônibus atingido por uma bala, que para eles em sua paranóia está ligada ao terrorismo. Os filhos de um dos casais do ônibus está nos Estados Unidos com a babá mexicana, que pretende passar alguns dias com a família em sua cidade natal.
Paralelo a esta primeira seqüência há uma menina surdo-muda que vive em Tóquio, uma cidade extremamente globalizada. Assim o roteiro caminha pelos contrastes culturais dos quatro países.
Os três filmes são marcados por personagens que levam seus sentimentos até as últimas consequências. De certa forma somos todos assim em relação à quem amamos.
“Somos o que somos por causa do outro. Somos os outros, num certo ponto” disse Iñarritu em entrevista coletiva concedida em 2006.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Uma obra para repensar o cotidiano


Duas vidas unidas por um acidente de carro. O que pode parecer uma idéia já repetida muitas vezes na história do cinema é surpreendentemente bem trabalhada no filme brasileiro “Não Por Acaso” (2007).
Este é o primeiro longa do diretor Philippe Barcinski, que têm em seu currículo curtas, que também valem a pena ser vistos: Palíndromo( 2002) e Janela Aberta(2001). Os dois curtas citados desenvolvem-se em torno da mesma temática do longa: o caos interno frente a uma grande cidade.
O filme foi todo gravado em São Paulo e a cidade não é só o cenário, mas também um dos personagens, transmitindo através de imagens simples, como o tráfego das avenidas paulistas, sentimentos presentes nos dois personagens principais, Ênio (Leonardo Medeiros) e Pedro (Rodrigo Santoro).
Ênio é um engenheiro de tráfego que passa seus dias a observar as ruas da cidade e a evitar os engarrafamentos. Ele vive sozinho e tem uma rotina monótona, é pai de uma adolescente que não o conhece, fruto de um casamento mal sucedido.
Em paralelo há a história de Pedro, um jovem que como seu pai, vive de construir mesas de sinuca. Ele mora com sua namorada, no fundo da marcenaria e parece não querer nunca sair do mundo que sempre viveu, é um personagem também solitário que busca controlar a vida como controla as bolas de sinuca.
Os dois tem uma experiência que modifica parte de seus conceitos, mulheres saem de suas vidas intempestivamente e trazem por acaso outras mulheres que irão ter um novo papel no modo como cada um deles encara a realidade.
O filme se diferencia de boa parte das produções brasileiras que tendem ao romance novelesco, abusando do sexo e de interpretações exageradas. A trilha sonora assinada por Antonio Pinto acompanha com maestria cada momento da história, tornando o filme ainda mais apaixonante.
Todos os personagens de “Não por Acaso” são muito realistas e seus medos e desejos ficam em evidência a cada ação, o que faz com que o espectador se identifique com os personagens e lide com os temas filosóficos que são colocados no roteiro(assinado também por Barcinski) , como o uso da razão e da emoção.
Uma bela obra sobre os acasos da vida, que tornam a vivência do cotidiano interessante.