segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ciência para todos


A ONU (Organização das Nações Unidas) declarou 2009 como o Ano Internacional da Astronomia, em comemoração aos quatro séculos desde as primeiras observações telescópicas do céu feitas por Galileu Galilei. As comemorações envolvem 137 países e no Brasil são mais de 180 entidades realizando atividades durante o ano todo.
A Astronomia é uma das ciências mais antigas e tem contribuição fundamental para a evolução das outras ciências, dando origem a campos inteiros da Física e da Matemática. Um dos objetivos desta comemoração é promover acesso a novos conhecimentos e melhorar o ensino formal e informal da ciência.
A Ciência ainda parece algo distante do grande público, como se fosse uma prática restrita aos círculos acadêmicos, desconectada da cultura. No entanto, profissionais de diversas áreas trabalham para tornar as práticas científicas mais acessíveis e inteligíveis. O jornalista colunista da “Folha de São Paulo”, Marcelo Leite é uma dessas pessoas. Leite escreve a coluna dominical no caderno “Mais!” nomeada “Ciência em Dia” e mantém um blog com o mesmo nome (http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). Com vasta experiência no jornalismo, Leite foi ombudsman da Folha entre 1994 e 96 e já escreveu vários livros com temas científicos.
Como o jornalista, o físico Gustavo Hojas trabalha pela popularização da ciência. Hojas coordena o Projeto "Popularização da Astronomia pela UFSCar: Astronomia ao Alcance de Todos", que visa a capacitação de professores e futuros professores, com a promoção de cursos e oficinas e a realização de eventos de divulgação científica destinados à população em geral, através de observações públicas e da disponibilização do espaço virtual (www.astronomia2009.ufscar.br).
Confira a entrevista realizada com estes dois profissionais:

reportagem: O que representam as descobertas de Galileu Galilei para a ciência de hoje?
Gustavo Hojas: Ao observar o céu com seu novo instrumento, Galileu descobriu uma realidade muito diferente da que se conhecia até então: montanhas e crateras na Lua, manchas no Sol, satélites até então desconhecidos em torno de Júpiter. Desde então, a Astronomia vem revolucionando o nosso entendimento do Universo. Hoje sabemos que toda a energia que circula em nosso planeta provém do Sol, e que o próprio Sol e o Sistema Solar foram formados a partir de restos de outras estrelas. Somos literalmente filhos das estrelas.

R: Porque apesar do grande interesse pela astronomia, ela ainda é uma ciência de pouco acesso ao grande público?
Gustavo: Uma das metas do Ano Internacional da Astronomia é convidar as pessoas a redescobrirem suas ligações com o Universo, e, compartilhando com elas o que sabemos sobre ele, passar à sociedade uma imagem moderna da Ciência e dos cientistas. Infelizmente o grande público possui uma visão distorcida da Ciência em geral, como uma coisa inacessível e complicada, o que contrasta com a sociedade tecnológica em que vivemos. No caso específico da Astronomia, ainda persiste a imagem antiquada do astrônomo como um cientista que passa as noites em claro no topo de uma montanha, olhando através de um telescópio e fazendo desenhos de suas observações. Por causa dessa imagem, boa parte das pessoas acredita que para apreciar a Astronomia é necessário fazer o mesmo, e esse não é o caso. Graças principalmente à Internet, os astrônomos modernos sequer precisam ir ao observatório para realizar seu trabalho. E sequer é necessário possuir um telescópio para poder apreciar o céu noturno: um simples binóculo, ou até mesmo nossos olhos adaptados à escuridão já são suficientes para explorar o Universo. Portanto, pretendemos através das comemorações do Ano Internacional difundir uma mentalidade científica na sociedade.

R: Como estão as comemorações do ano da astronomia no Brasil?
Gustavo: Para organizar as comemorações do Ano Internacional da Astronomia em todo o mundo, foi montada a maior rede de divulgação científica da história, a Rede IYA2009. A intensa mobilização no Brasil coloca o país em posição de destaque dentro do cenário internacional de divulgação em Astronomia.
Com o final da estação chuvosa se aproximando, a tendência é que as comemorações se intensifiquem ainda mais. Os interessados devem visitar o site oficial do Ano Internacional da Astronomia http://www.astronomia2009.org.br para consultar a programação atualizada dos eventos do Ano Internacional em sua região. [A Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, que acontece entre os dias 18 e 28 de junho terá uma programação especial voltada para a Astronomia]

R: Como está o campo do jornalismo científico hoje? Existem várias possibilidades de formação específica?
Marcelo Leite: No Brasil ainda é um campo relativamente restrito, com poucas vagas nos principais veículos de comunicação, mas vem ganhando em importância e interesse. Há alguns cursos de especialização disponíveis, como o da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e o da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio. Há também muita oferta de pós-graduação, seminários e cursos breves, em especial no exterior.

R: Ainda há uma ressalva por parte do grande público em relação à ciência como algo ininteligível?
Marcelo: Sim, infelizmente. Uma pesquisa de opinião patrocinada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia em 2006 mostrou que muitas pessoas, mesmo tendo interesse em informar-se sobre ciência e tecnologia, deixam de fazê-lo porque não conseguem entender o que se publica e veicula.

R: Que ferramentas o jornalista científico usa para tornar o conhecimento da ciência mais atrativo?
Marcelo: Muito didatismo, sobretudo por meio de analogias e metáforas que permitam aproximar temas complexos e abstratos de realidades familiares ao público. Mas é mais fácil falar do que fazer, porque toda metáfora é imperfeita. Fotografias e infográficos também ajudam.

R: Como tem sido o seu contato com o público? Há um maior interesse nas questões que você trata no seu blog e na “Folha de São Paulo”?
Marcelo: Tenho consciência de que meu público na Folha e no blog são restritos, composto em geral por pessoas já interessadas em ciência. Tento não ser muito "difícil", mas fracasso com frequência. Por isso tenho recorrido nos últimos anos a novos veículos como livros paradidáticos (editoras Publifolha e Ática) e até ficção infanto-juvenil (série Ciência em Dia, também da Ática, para uso em sala de aula).

R: Existem muitas diferenças entre o jornalismo científico no Brasil e no exterior?
M: Sim, mas cada vez menos. Os recursos nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, costuma ser mais abundantes, o que em geral permite que os jornalistas de ciência lá empreguem mais tempo na apuração/pesquisa de reportagens. O preparo científico deles também costuma ser melhor - muitos não estudaram jornalismo, mas alguma ciência natural, como biologia ou física. Uma nova geração de jornalistas brasileiros no setor, porém, tem buscado uma maior qualificação, com sucesso.

R: Fale sobre seu último livro "Ciência, use com cuidado"
M: É uma coletânea de 80 colunas das cerca de 300 publicadas na Folha entre 2003 e 2007 que acabo de lançar pela Editora da Unicamp. Reflete minha convicção de que a ciência e a tecnologia devem ser apreciadas pelo público com senso crítico, uma coisa para a qual devemos nos educar e preparar, de modo a nos tornarmos capazes de refletir sobre elas e não tomar como verdades estabelecidas tudo que provém desse campo.