quinta-feira, 17 de abril de 2008

Por onde andará o cinema brasileiro?


Guilherme no dia 2 de janeiro de 1987 lia o Caderno 2 do jornal “Estado de São Paulo” .Ao folhear as páginas se deparou com uma crônica de Caio Fernando Abreu intitulada “ Onde Andará Lyris Castellani?”, que falava da saudade do cronista desta atriz dos anos 50 e de como as pessoas famosas passam por nossas vidas. O texto chamou tanta atenção de Guilherme que ele procurou por Caio e propôs : -Vamos escrever um roteiro com essa história? Foi assim que começou a saga que terminou no final de 2007 com o lançamento do filme “ Onde andará Dulce Veiga?”. A história foi reformulada e virou livro pelas mãos de Caio em 1990 e foi o maior sucesso internacional da carreira do escritor, falecido em 1996. Já o roteiro cinematógrafico ficou guardado na gaveta devido as dificuldades em se produzir filmes no Brasil na década de 90. Até que em 2002 foi escolhido pelo “ The Sundance Institute” para ser reestruturado. “ Eu fui participar do concurso com um outro roteiro, só que pediram para inscrever dois. Quando inscrevi Onde Andará Dulce Veiga, não esperava que fosse ganhar...este filme pediu para sair da gaveta”, conta Guilherme. Após o trabalho com o roteiro, começou a luta pelo dinheiro da produção. O processo desde a gravação até a finalização levou dois anos. Ao ser questionado sobre o que este filme representa para sua carreira, o diretor responde com um brilho especial nos olhos “ Este é o melhor filme que fiz até hoje”. Onde Andará Dulce Veiga é um filme diferente, com um toque de surrealismo e como descreve o próprio Guilherme: “um filme para ser visto várias vezes”. A obra conta a história do jornalista Caio (Eriberto Leão) que é escalado para fazer uma matéria elogiando o trabalho de uma banda de rock famosa: Márcia Felacio e as Vaginas Dentadas. A contragosto ele vai a uma gravação da banda e descobre que a vocalista Márcia ( Carolina Dieckmann) é filha de uma cantora e atriz antiga que desapareceu misteriosamente: Dulce Veiga (Maitê Proença). Ao voltar da reportagem ele comenta com seu editor( Cacá Rosset) sobre Dulce e recebe uma nova incumbência: descobrir onde Dulce Veiga está. O filme acompanha a busca de Caio pela cantora, seu envolvimento com a roqueira Márcia e com as histórias escabrosas que cercam a família. O filme discute a relação do público com os famosos e a supervalorização do sucesso, porém, de maneira nada ortodoxa. Cenas de homossexualismo masculino e drogas constroem a história que é contada através dos desejos e medos de Caio. Nada é claro para o espectador, o roteiro é todo recortado e todos os personagem tem um “quê” de insanidade e de ironia que criticam a sociedade de maneira subjetiva. É um filme que incomoda em certos momentos, faz rir em outros e principalmente nos concede a oportunidade de mudar a nossa percepção sobre o que a cinematografia brasileira é capaz de realizar.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Teatro Social


O contato com a arte teatral é uma oportunidade de transitar entre várias personalidades, viver em épocas distintas, experimentar novas feições e transcender a realidade. Para as mulheres da Penitenciária Vila Branca, em Ribeirão Preto, também é uma forma de lidar com as dificuldades do cotidiano.
Em 2005 o diretor de teatro, Magno Bucci que trabalha na área há quatro décadas iniciou o Projeto Presídio Feminino, que leva oficinas teatrais para o presídio da cidade.
Bucci procurava um trabalho diferenciado e desafiador. “Eu gostaria de trabalhar com pessoas sonhadoras e lá estavam elas, o tempo todo sonhando com a liberdade, com o resgate da dignidade, o retorno a família, rever o mundo lá fora e o afeto”, afirma.
Assim que Bucci apresentou o projeto, a diretoria do presídio aceitou a idéia. Segundo ele, falta trabalho voluntário nos presídios, muitos ainda têm medo de trabalhar com este público.
Os encontros semanais resultaram em três montagens somente em 2006. “O aprendizado foi mútuo, tive de rever toda a minha experiência com teatro para aprender algo novo, lidar com uma nova forma de fazer teatro, mais participativa, versátil e essencialmente mais humana”.
Os ensaios começam com uma pergunta simples: “O que vocês querem ser?” e é a partir das histórias de vida e dos desejos destas mulheres que Bucci escreve o texto e aprende a lidar com as improvisações que elas criam no momento das apresentações.
O projeto já resultou em apresentações dentro do presídio para as internas e para convidados, duas exposições fotográficas, além da repercussão em jornais locais e a concepção de um material escrito sobre a vivência.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Transcendência da arte


A 26 km de Ribeirão Preto na pequena cidade de Brodowski encontra-se um recanto, uma casa antiga pintada em azul e branco em frente a uma simpática praça onde durante anos viveu um dos maiores pintores do país: Cândido Portinari.

O museu Casa de Portinari foi fundado em 1970 e abriga a história do artista através de suas obras. Nos cômodos estão pinturas murais, aplicadas diretamente sobre as paredes através de técnicas de afresco e têmpera que tornam o acervo permanente e fascinante.

Além dos murais o acervo conta com desenhos, estudos, objetos, utensílios, fotografias e documentos colaborando para que entendamos como era a vida naquela época.

Ao lado da casa principal existe uma casinha conhecida como a capela da Nonna.que foi construída em 1941 a pedido de Portinari para sua avó paterna que estava muito doente e já não podia ir a igreja matriz para assistir a missa.

Portinari pintou em todo o cômodo os santos prediletos da avó, dentre eles São Francisco, Santa Luzia e São Pedro, com fisionomias de pessoas conhecidas, como membros da família e amigos e também um pequeno altar com flores. Ao entrar nessa capela a emoção é muito forte, há toda uma vibração de fé expressa nos olhares dos personagens ali retratados.

Para finalizar a viagem ao mundo de Portinari vale a pena andar mais 19 km e também visitar o acervo de pinturas sacras, datadas de 1953, na Igreja Matriz de Bom Jesus da Cana Verde, em Batatais.

Um pouco de história

Portinari nasceu em uma fazenda de café próxima a Brodowski em 1903, na época um vilarejo de 700 habitantes (hoje são 20 mil).

Quando Portinari tinha 15 anos passou pelo vilarejo um grupo de pintores e escultores italianos que decoravam igrejas e o garoto foi escolhido como um dos ajudantes, assim nasceu seu amor pela pintura. No ano seguinte, decidido a se tornar pintor, ele se mudou para o Rio de Janeiro e ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, a única profissionalizante na área do país.

Durante os nove anos que passou na escola, Portinari participou de diversos concursos artísticos, conquistou prêmios e teve um certo destaque na mídia.

Em 1929 realizou sua primeira exposição individual no Palace Hotel do Rio de Janeiro. No mesmo ano ganhou uma viagem para a França em um concurso da Escola Nacional de Belas Artes.

Após visitar museus em parte da Europa, Portinari voltou da viagem com novas idéias: retratar seu povo.

O Brasil na década de 30 estava sob a presidência de Getúlio Vargas e vivia reformas em vários setores, inclusive no cultural com a renovação de instituições artísticas. Portinari chamava cada vez mais atenção com suas obras de características modernistas, com ênfase nos problemas sociais.

“Estou com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social” ( Folha da Noite, 1934)

Portinari foi um dos vanguardistas no desenvolvimento da técnica de pintura mural em afrescos no Brasil. Elogiado por críticos, incentivado por autores como Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Carlos Drummond e também reconhecido nos Estados Unidos, o artista seguiu desenvolvendo sempre com criticidade seu trabalho.

Em 1945 um novo movimento político surge no Brasil, resistente a ditadura, artistas e intelectuais se unem no Partido Comunista. Nomes de prestígio como Portinari, Jorge Amado e Caio Prado Júnior se integram aos comunistas.

Em 1951 um evento artístico marca a cena cultural do Brasil: a 1º Bienal de Arte de São Paulo, entre os artistas convidados está Portinari, com uma sala exclusiva.

Aos 50 anos o pintor apresenta problemas de saúde em conseqüência do uso de certas tintas, ele sofre várias vezes nos próximos anos de dores, no entanto, não deixa os pincéis.

Em 1957 começa a escrever uma espécie de diário e inicia sua atividade literária.

Cinco anos depois, em fevereiro de 1962 Portinari falece no Rio de Janeiro. A presidência da República decretou luto oficial por três dias.

Portinari deixou um legado de mais de 4.700 obras entre gravuras, desenhos e pinturas, envolvendo mais de 450 temáticas. Além deste imenso material o artista escreveu poemas e ilustrou livros.

Em 2004 foi lançado um catálogo Raissoné das obras de Portinari (reúne obras dispersas de um artista renomado de forma analítica), o primeiro sobre um artista na América Latina. A primeira edição foi concebida em 5 volumes e teve tiragem de 2.000 exemplares. Idealizado por seu filho, João Cândido Portinari, este é um trabalho de extrema importância para a preservação da obra do artista e para auxiliar pesquisadores e pintores.

(texto escrito baseado em material do projeto Portinari- 2003/2004)