sexta-feira, 8 de junho de 2007

De onde veio a bossa ?

" É pau, é pedra, é o fim do caminho /É um resto de toco, é um pouco sozinho” (Tom Jobim)
Que brasileiro já não cantarolou essa música debaixo do chuveiro ?
Apesar da Bossa Nova ser parte indiscutível da cultura brasileira,a sua história é desconhecida por muitos.
Para falar dessa trajetória, o jornalista e escritor Ruy Castro esteve em Ribeirão Preto em um evento promovido pelo Sesc chamado “De Volta ao Beco”.
O nome do evento permitiu que o público adentrasse essa história, pois entre 1958 e 1966 no Rio de Janeiro, em uma ruela de Copacabana que abriga pequenos bares e boates, conhecido como Beco das Garrafas, encontravam-se nomes como João Donato, Nara Leão, Baden Powell, Wilson Simonal e Elis Regina.
Jonhy Abila, um dos organizadores da programação do Sesc relatou que o nome Beco das Garrafas veio da simplificação de Beco das Garrafadas, expressão dada pelo jornalista Sérgio Porto, freqüentador do local nas décadas de 50 e 60.O motivo do batismo foi a quantidade de garrafas que eram jogadas pelos vizinhos do beco indignados com a “bagunça” dos freqüentadores e dos músicos que tocavam por toda a madrugada.
A Bossa passou por vários momentos desde os anos 50 e tem presença indiscutível na construção da música popular brasileira."Pode parecer piegas falar isso mas é pura verdade, as músicas eram feitas com amor, em busca da beleza", assim Ruy Castro iniciou sua palestra.
Segundo Castro a proposta inicial da Bossa Nova era passar a idéia de um Brasil mais limpo, mais justo e simples."Era como se as músicas estivessem convidando todo mundo para morar em Ipanema,como dizia o Tom (Jobim), ir à praia, ter um namorado, namorada…ser feliz para sempre".
Nos anos 60 os sons produzidos no Beco das Garrafas começaram a chamar atenção fora do Brasil, assim muitos músicos foram para Nova York ensinar os americanos a fazer a batida da Bossa, construindo as melodias com "elegância, simplicidade e limpeza, assim a Bossa Nova se incorporou à gramática musical do mundo inteiro", continuou Castro.
Nesse período de sucesso houve também a valorização do instrumental e improvisações de jazz. Desta maneira a Bossa Nova deixou de ser estritamente praiana, foi para a rua e nasceram ritmos como o afro samba, uma mistura de bossa nova com as músicas do folclore baiano.
Já nos anos 70 com o "boom" da Jovem Guarda, a Bossa Nova ficou esquecida por duas décadas. Ruy disse que toda essa onda do "ie-ie-ie" foi devido ao grande apelo comercial especialmente da televisão.Entretanto, mesmo com todas as dificuldades, como a falta de apoio dos meios de comunicação, a expansão foi inevitável através de artistas que conheciam o trabalho da Bossa e estavam fora do Rio de Janeiro como Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso
Nos últimos 15 anos, as remasterizações de vinil para cd, as releituras de antigas composições por artistas contemporâneos e a visibilidade de músicos do inicio da Bossa Nova, como João Donato, vem garantindo a notoriedade do estilo no cenário musical nacional e internacional.
"Para mim a Bossa Nova faz parte do patrimônio cultural brasileiro, não por ser do meu tempo mas, por ser boa.Hoje podemos ouvir discos gravados à 44 anos sem intervenções eletrônicas, gravado de uma vez só como se fosse ao vivo.Obras primas que tem de ser valorizadas",finalizou Ruy.
Confira a entrevista com Ruy Castro concedida dias antes de sua passagem por Ribeirão Preto:
1. A programação do Sesc Ribeirão Preto busca resgatar a história e o cenário musical do Beco das Garrafas, para tanto entre os convidados estão Leny Andrade, João Donato e Simoninha cantando as músicas de seu pai Simonal. Você acredita que estes artistas representam bem o “espírito” do início da Bossa Nova?

Eles representam o "espírito" Beco das Garrafas da Bossa Nova, que era mais jazzístico, mais samba-jazz e menos intimista que o da Bossa clássica. Todos os grandes nomes do Beco -- Simonal, Leny, Pery Ribeiro, Jorge Ben, Elis Regina e outros, sem falar nos super-instrumentistas que passaram por lá, um deles Sergio Mendes, eram da música mais pesada. Isso é formidável porque o espaço minúsculo das boatinhas do Beco parecia exigir uma música mais baixinha. Mas, ao contrário, foi ali que nasceu a Bossa Nova em voz alta.

2. O seu livro “Chega de Saudade” buscou a reconstrução da vida carioca nos tempos do início da Bossa Nova.Como foi o processo de pesquisa? Quanto tempo você levou para terminá-lo?

Levei dois anos e quebrados, mas é preciso ver que eu já tinha muita intimidade com o assunto. Conhecia ou já havia entrevistado muitas daquelas pessoas, conhecia o território fisicamente até de olhos fechados e tinha passado a vida ouvindo Bossa Nova. Acho que, sem isso, teria precisado de muito mais tempo. O processo de pesquisa já era o que eu continuaria adotando depois: conversar com todo mundo que participou da coisa.

3. O ano passado foi lançado “Rio Bossa Nova - Um roteiro lítero-musical”.Quais são os vínculos entre “Chega de Saudade” e este novo trabalho?

Costumo dizer brincando que "Rio Bossa Nova" é o "Chega de saudade" em technicolor, mas não é bem assim. "Chega de saudade" é uma reconstituição histórica, com pretensões mais duradouras; "Rio Bossa Nova" é um guia turístico para quem estiver no Rio e gostar de Bossa Nova, só que com um projeto gráfico fabuloso, de fazer doer a vista. Cada qual no seu gênero.

4. Como foi dentro de sua história profissional a criação desse vínculo? Quando você escolheu o jornalismo e quando o uniu a literatura? E como foi a escolha de retratar a história da Bossa Nova no Rio?

Sempre quis ser jornalista, nunca pensei em ser escritor. Trabalhei na imprensa durante 20 anos direto e só nos últimos 20 tenho me dedicado aos livros, sem abandonar de todo a colaboração em jornais e revistas. Minha mudança para os livros foi meramente fortuita, nada planejada. Quanto à escolha de retratar a história da Bossa Nova no Rio, também foi natural: a Bossa Nova nasceu no Rio e é uma música fundamentalmente carioca, embora tenha sido adotada pelo resto do Brasil e do mundo.

5. Como você escolhe os temas que irá tratar na sua coluna da Folha de S. Paulo?

Não escolho. São os temas que me escolhem. Acompanho diariamente o noticiário, converso com muita gente e os temas pintam com naturalidade. Aí é sentar e escrever e, principalmente, reescrever.

6. Qual a sua opinião sobre o caso do Roberto Carlos, em que ele impediu a distribuição de sua biografia escrita por Paulo Cesar Araújo?

Acho que foi uma medida cretina. Mas, se você quer saber, eu não esperava nada diferente dele.

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