quinta-feira, 14 de junho de 2007

Cineclube - diálogo sobre imagens




Sensações se fundem na sala escura, o cheirinho de pipoca, o burburinho, a curiosidade e, então as luzes vão se apagando devagar quando na grande tela as imagens surgem e a imaginação nos prepara para entrar em uma outra dimensão.
Ir ao cinema foi durante gerações um grande acontecimento “O cinema era o evento mais importante da semana, parecia que todo mundo tava indo para uma festa”, descreveu Roberto Possebon, 80 anos, que freqüentou as salas de cinema durante toda a sua juventude.
Deste amor pela arte cinematográfica surgiram os cineclubes, espaços que reuniam uma grande diversidade de pessoas com um desejo em comum, o de dividir o que sentiam ao entrar em contado com a 7º arte.
O primeiro cineclube brasileiro com uma atividade organizada foi o carioca Chaplin Club que “surgiu em 13 de junho de 1928 e alcançou grande repercussão nos meios cultos da então Capital Federal”, explica Ricardo Santos, estudante de Cinema e cineclubista há 17 anos.
É difícil contar com exatidão a história do cineclubismo, pois muitos nunca estiveram vinculados a nenhuma associação, as pessoas se reuniam nas casas, nas universidades, nas garagens, enfim qualquer espaço era o suficiente para que as reuniões acontecessem e as discussões corressem até altas horas da madrugada.Em Ribeirão Preto, os encontros do primeiro cineclube, Cine Suez eram aos sábados à meia noite, “nós a chamávamos de sessão coruja, sessão maldita”, conta o diretor e crítico de cinema, José Flávio Mantoani (conhecido como Mith).
Os cineclubes acompanharam a história do país e acabaram se tornando espaços de resistência em momentos de repressão ideológica.
Muitos diretores devem parte de sua formação aos encontros cineclubistas como Glauber Rocha e Cacá Diegues.Cineastas estes que marcaram o cinema brasileiro com seus filmes polêmicos , críticos e com formas inovadoras de narração.
Para Ricardo, o movimento “sempre colaborou na busca da identidade do cinema brasileiro”, assim apesar do menosprezo dos especialistas por diretores como Mazaropi, Oscarito e Grande Otelo, eram nos cineclubes que se percebia a riqueza daquelas obras. “Por trás de toda aquela comédia havia a contestação política”, afirma o professor de história cultural Humberto Perinelli.
Os anos passaram e muitos fecharam as portas, especialmente nos anos 90 por motivos políticos e sociais que se somaram como a falta de apoio governamental, a opressão das grandes empresas de cinema, a mentalidade liberalista e a facilidade de acesso à televisão e ao vídeo cassete.
Com a proliferação de salas de cinema nos shoppings center houve um movimento de elitização do cinema, assim “os cineclubes passaram a ser mais vitais que nunca para manter algumas pequenas oportunidades de conhecer a produção independente,brasileira, internacional, curtas-metragem, etc”, afirma Felipe Macedo, cineclubista com extenso trabalho na área.
Sentar após ver um filme para discuti-lo passou a ser uma prática cada vez mais rara e de acordo com Perinelli o fechamento dos cineclubes foi apenas uma das conseqüências das transformações na sociedade.Durante a época da ditadura havia emergência por espaços de discussão, de manifestação artística, “a classe artística trabalhava com a marginalidade, uma postura anti a política vigente, porém com a democracia, a abertura política, houve um descompromisso da arte mundialmente”, completa.
O distanciamento das salas de cinema em troca do conforto de casa fazem com que a relação do espectador com o filme aconteça de forma diferente dos primeiros amantes desta arte.Quando nos sentamos para assistir a um filme o nosso desejo em grande parte das vezes é de se desvincular do cotidiano, passar ali 2 horas afastado da realidade.
A principal proposta do cineclubismo era a construção do debate depois do filme, para que não houvesse a súbita quebra entre as imagens da tela e a realidade, o importante era descobrir qual os vínculos entre aquela obra de ficção e o que existia efetivamente, assim propor mudanças individuais e coletivas deixando com que a mente fluísse, sentindo a arte como transformadora do ser e não apenas como distração.
Apesar das nossas relações com a imagem terem mudado com o avanço das tecnologias e a facilidade de acesso aos televisores e computadores, a partir da década de 90 houve todo um movimento de retomada do cineclubismo.
O homem como ser coletivo acaba voltando-se para a arte e rediscutindo-a, para Ricardo “o mesmo inimigo dos Cineclubes no passado, o videocassete e DVDs, é hoje o mais novo aliado desta retomada, esta parceria pode e deve romper com este tendência de ficar em casa. Pode e deve ser o agente da mudança, que devolverão aos gregários, o gosto pelo cinema que nos faz refletir, que nos encanta com sua arte, sua história e magia”.
Para Macedo colocar a culpa, do distanciamento dos brasileiros das salas de cinema, no videocassete é um mito para esconder a carência do acesso à cultura em nosso país “Nos países mais ricos, onde a maioria da população tem banda larga, tv a cabo e tudo quanto é recurso moderno, vai-se muito mais ao cinema. Os EUA têm mais de 30 mil cinemas; Quebéc(Canadá), com apenas 7 milhões de habitantes, tem quase a metade das salas do Brasil inteiro”.
Indiscutível é que essa retomada fez com que o cineclube assumisse também outros papéis, como o de oferecer aos que não tem acesso ao cinema o prazer de ver um filme na telona, mostrar para a criança que nasceu na frente da televisão como é assistir na sala de cinema e para divulgar filmes que tem distribuição restrita.
Nas grandes cidades do país, especialmente no Sudeste há também a tendência de cineclubes subsidiados por empresas, principalmente após a efetivação da lei Rouanet (lei de incentivos culturais), ações sócio-culturais-educativas de prefeituras e atuação de entidades como Sesi e Sesc que complementam esse movimento de retomada do cinema, com características diferentes, mas importantes para o processo de recuperação dos espaços cineclubistas.
Segundo Macedo, apenas “três distribuidoras de filmes são responsáveis por 85% da bilheteria total do cinema no país e as três são do mesmo bairro: Hollywood”, os números apresentados por ele evidenciam a importância de movimentos paralelos às grandes distribuidoras, para que o acesso às obras cinematográficas seja mais democrático.
Em Ribeirão Preto temos o Cine Cauim, que cumpre sua função sócio-cultural com projetos voltados para a população de baixa renda e exibição diária a preços populares, o Espaço Cultural Santa Elisa que mantém um projeto de exibições de filmes e palestras sobre assuntos ligados à psicologia 2 vezes por mês, o Museu de Arte (Marp) onde uma vez por mês há debates sobre arte e projeção de filmes e o Espaço Cultural A Coisa que promove entre diversas atividades filmes e discussões.
Entrar em contato com esses espaços ou até mesmo propor a um grupo de amigos debates após assistirem juntos a um filme pode ser uma experiência reveladora.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vc tem um jeito bem pessoal de escrever. isso imprime ao texto uma individualidade pp de quem nasceu para escrever...Bjs