quarta-feira, 2 de abril de 2008

Transcendência da arte


A 26 km de Ribeirão Preto na pequena cidade de Brodowski encontra-se um recanto, uma casa antiga pintada em azul e branco em frente a uma simpática praça onde durante anos viveu um dos maiores pintores do país: Cândido Portinari.

O museu Casa de Portinari foi fundado em 1970 e abriga a história do artista através de suas obras. Nos cômodos estão pinturas murais, aplicadas diretamente sobre as paredes através de técnicas de afresco e têmpera que tornam o acervo permanente e fascinante.

Além dos murais o acervo conta com desenhos, estudos, objetos, utensílios, fotografias e documentos colaborando para que entendamos como era a vida naquela época.

Ao lado da casa principal existe uma casinha conhecida como a capela da Nonna.que foi construída em 1941 a pedido de Portinari para sua avó paterna que estava muito doente e já não podia ir a igreja matriz para assistir a missa.

Portinari pintou em todo o cômodo os santos prediletos da avó, dentre eles São Francisco, Santa Luzia e São Pedro, com fisionomias de pessoas conhecidas, como membros da família e amigos e também um pequeno altar com flores. Ao entrar nessa capela a emoção é muito forte, há toda uma vibração de fé expressa nos olhares dos personagens ali retratados.

Para finalizar a viagem ao mundo de Portinari vale a pena andar mais 19 km e também visitar o acervo de pinturas sacras, datadas de 1953, na Igreja Matriz de Bom Jesus da Cana Verde, em Batatais.

Um pouco de história

Portinari nasceu em uma fazenda de café próxima a Brodowski em 1903, na época um vilarejo de 700 habitantes (hoje são 20 mil).

Quando Portinari tinha 15 anos passou pelo vilarejo um grupo de pintores e escultores italianos que decoravam igrejas e o garoto foi escolhido como um dos ajudantes, assim nasceu seu amor pela pintura. No ano seguinte, decidido a se tornar pintor, ele se mudou para o Rio de Janeiro e ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, a única profissionalizante na área do país.

Durante os nove anos que passou na escola, Portinari participou de diversos concursos artísticos, conquistou prêmios e teve um certo destaque na mídia.

Em 1929 realizou sua primeira exposição individual no Palace Hotel do Rio de Janeiro. No mesmo ano ganhou uma viagem para a França em um concurso da Escola Nacional de Belas Artes.

Após visitar museus em parte da Europa, Portinari voltou da viagem com novas idéias: retratar seu povo.

O Brasil na década de 30 estava sob a presidência de Getúlio Vargas e vivia reformas em vários setores, inclusive no cultural com a renovação de instituições artísticas. Portinari chamava cada vez mais atenção com suas obras de características modernistas, com ênfase nos problemas sociais.

“Estou com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social” ( Folha da Noite, 1934)

Portinari foi um dos vanguardistas no desenvolvimento da técnica de pintura mural em afrescos no Brasil. Elogiado por críticos, incentivado por autores como Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Carlos Drummond e também reconhecido nos Estados Unidos, o artista seguiu desenvolvendo sempre com criticidade seu trabalho.

Em 1945 um novo movimento político surge no Brasil, resistente a ditadura, artistas e intelectuais se unem no Partido Comunista. Nomes de prestígio como Portinari, Jorge Amado e Caio Prado Júnior se integram aos comunistas.

Em 1951 um evento artístico marca a cena cultural do Brasil: a 1º Bienal de Arte de São Paulo, entre os artistas convidados está Portinari, com uma sala exclusiva.

Aos 50 anos o pintor apresenta problemas de saúde em conseqüência do uso de certas tintas, ele sofre várias vezes nos próximos anos de dores, no entanto, não deixa os pincéis.

Em 1957 começa a escrever uma espécie de diário e inicia sua atividade literária.

Cinco anos depois, em fevereiro de 1962 Portinari falece no Rio de Janeiro. A presidência da República decretou luto oficial por três dias.

Portinari deixou um legado de mais de 4.700 obras entre gravuras, desenhos e pinturas, envolvendo mais de 450 temáticas. Além deste imenso material o artista escreveu poemas e ilustrou livros.

Em 2004 foi lançado um catálogo Raissoné das obras de Portinari (reúne obras dispersas de um artista renomado de forma analítica), o primeiro sobre um artista na América Latina. A primeira edição foi concebida em 5 volumes e teve tiragem de 2.000 exemplares. Idealizado por seu filho, João Cândido Portinari, este é um trabalho de extrema importância para a preservação da obra do artista e para auxiliar pesquisadores e pintores.

(texto escrito baseado em material do projeto Portinari- 2003/2004)

Um comentário:

Anônimo disse...

Há algum tempo venho lendo seus artigos no Democrata, e sua coluna vem sendo um recorte discreto e aconchegante de lucidez.
Queria apenas fazer observação sobre o Trilogia Emocional. Nele você se esqueceu de citar o que acredito ser o alicerce para todos esses filmes, o escritor e roteirista Guilermo Arriaga. Não pude ver Amores Brutos, mas tive o privilégio de conhecer os outros. De todos o que me causou maior comoção foi 21 Gramas, em poucas vezes na vida me senti tão vulnerável e pequeno, eu estava diante de uma obra de arte monumental e tinha consciência disso. Na época, indaguei-me sobre o título, também pensei em peso da alma, mas recentemente trabalhando na fábrica, soprei sobre uma balança de precisão, foi intuitivo, e para minha surpresa surgiu na tela: 21 gramas.
Do mesmo roteirista, outro filme que vale apena é Três Enterros, que é dirigido por Tommy Lee Jones. Em Três Enterros, além da sensação de exílio, também está a ótica da “teoria do caos”.
Rafael
rafaelmar@bol.com.br