quinta-feira, 3 de maio de 2007

Transpor Gerações

Uma pequena garagem, lotada de sapatos , um senhor sentado ao fundo trabalhando. A maioria dos que passam pela rua, uma subida de paralelepípedos, pára, dá um bom dia e conversa por alguns minutos, alguns deixam sapatos outros só deixam seus cumprimentos.Esta é uma cena pouco comum no cotidiano das grandes cidades, mas corriqueira para os habitantes de São José do Rio Pardo, interior de São Paulo.
Dentro da garagem , sentado está Roberto Possebon, que aos 80 anos de idade quebra todo dia a fronteira do tempo e mantém, com sua habilidosas mãos, uma profissão que a modernidade está deixando para trás. Há 68 anos ele acorda, toma seu café da manhã e vai em direção a sua grande paixão: fabricar e arrumar sapatos.
“Eu trabalhei muitos anos cobrindo sapato para noiva, era chique levar no sapateiro. Hoje é tudo colado, tudo de plástico”.
Apesar de ser uma profissão em extinção, Roberto mantém uma clientela fiel, onde os vínculos ultrapassam facilmente a relação comercial e transformam-se em laços de amizade ao primeiro sorriso que ele abre.
A sapataria é uma forma de ganhar seu sustento, ocupar o tempo e principalmente manter “anos de amizade com várias pessoas queridas”. Quando acaba o expediente da sapataria, logo, logo alguém toca a campanhia e a conversa é interrompida com um “Desculpa incomodar, mas o seu Roberto ta aí?” , e apesar do cansaço de um dia de trabalho, sai para atender mais um cliente-amigo.
Quem sempre passou por aquela rua sabe que apesar de todos esses anos, dos filhos terem saído de casa, de sua esposa ter falecido, o carro ter sido vendido e a casa ter ficado com a pintura desbotada, tudo na sapataria se manteve praticamente igual , o velho balcão, as prateleiras lotadas de sapatos e bolsas, e a companheira mais fiel, a sua máquina de costura.
Filho de família simples de imigrantes italianos, Roberto estudou até o 4º ano do 1º grau em São José do Rio Pardo. Não terminou os estudos porque para continuar teria que fazer um exame de admissão e a família não tinha dinheiro para pagar. “Para meu pai o importante era trabalhar”.
Em 1938 conseguiu emprego , primeiro em um açougue e depois em um bar “Eu penava muito, levantava às 5 horas e fazia as entregas das encomendas, depois ajudava como auxiliar. No bar eu limpava, molhava os campos de bocha e buscava o gelo para colocar na geladeira”.
Durante o mesmo ano seu pai lhe chamou para aprender a ser sapateiro, e abriu uma fábrica com dois de seus nove irmãos. Em 1949 fecharam a pequena empresa e acabou decidindo ir para São Paulo trabalhar como pespontador (fazer as costuras internas dos calçados).
Em 1952 apareceu outra oportunidade, ir vender balas com figurinhas premiadas na Bahia. Assim, junto a um amigo, partiu para o Nordeste e o negócio ia tão bem que já na segunda encomenda pediram 10 mil caixas de balas, porém tiveram que voltar para casa porque a fábrica faliu 1 ano depois.
Em 1953 de volta a São José, comprou um carro e foi taxista por 3 anos. Mas não teve jeito depois de casar-se em 1957 voltou a ser sapateiro “Era uma profissão muito procurada e valorizada porque não havia tênis e sapatos de plástico.Tudo era feito de couro, costurado a mão ou a prego”.
São José do Rio Pardo tem hoje cerca de 55 mil habitantes, na década de 70 a cidade era bem menor e tinha, segundo Roberto, cerca de 12 sapateiros, e todos trabalhavam muito, “até 10 horas por dia”.
Muitas pessoas já passaram por aquela sapataria e, entre tantas vivências, uma história o marcou “Uma vez eu estava fazendo um calçado para um cliente e enquanto tava fazendo percebi que um pé caía bem na forma e o outro não, mas eu continuei e entreguei o sapato. Depois de uns anos o moço trouxe o sapato para fazer meia sola, quando fui arrumar percebi que um pé eu tinha feito 39 e o outro 40. Imagina que eu só percebi isso quando fui consertar o sapato pra ele, e ele nem percebeu”, contou entre risos.
O ano passado Roberto ganhou o título de cidadão honorário de São José do Rio Pardo, fato que o deixou orgulhoso, por amar tanto a cidade e sua profissão.
E ele continua lá em sua pequena garagem, sempre com um sorriso estampado no rosto e um par de sapatos nas mãos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Pois eu tive o prazer de conhecer o "seu" Roberto, ser recebido por ele com um licorzinho caseiro. Faltou dizer ser ele pessoa inteligente, bom papo, gentil, como de resto são seu descendentes, de quem tenho a hora de ser amigo. Que bom a cidade tê-lo homenageado. Precisamos valorizar as pessoas honradas e com história.

Anônimo disse...

VOVÔ!!!!

bjão lele, eu disse que eu sempre passo por aqui =].