quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Dias em Machu Picchu


A viagem perfeita,era isso o que pensava todos os dias desde que cheguei ao Peru com mais duas amigas no dia 13 de janeiro, tudo estava correndo bem, conhecemos lugares incríveis, a temperatura estava perfeita, as pessoas nos ajudando nos pequenos problemas, estávamos melhorando no espanhol e incrivelmente apaixonadas pelo país dos Incas.
No dia 23 de janeiro partimos para o passeio mais esperado da viagem: conhecer Machu Picchu e foi neste dia que tivemos o primeiro problema: não havia trem para chegar a Machu Picchu, teríamos que esperar até a manhã do outro dia.
Acordamos domingo ansiosas e fomos para a fila do trem e a partir daí começou a verdadeira aventura da viagem. Ao lado do trilho corre o rio Urubamba, que estava assustador, a maioria dos passageiros não conseguia desgrudar os olhos das janelas.
Finalmente chegamos a Águas Calientes, a cidade mais próxima de Machu Picchu e fomos conhecer o sítio arqueológico. Não existe palavra que possa descrever Machu Picchu, nada seria suficiente, pensar naquele lugar povoado de pessoas que viviam para e com a natureza, seres que inexplicavelmente construíam suas casas com enormes pedras e que tinham um sistema de irrigação impressionante, foi um dos momentos mais emocionantes da viagem.
Quando saímos de Machu Picchu, veio a primeira notícia de que estávamos presos na pequena cidade, minha primeira sensação foi de incredulidade. Procuramos um hotel e pensávamos que quando acordássemos poderíamos voltar para Cusco, no entanto, chegou a notícia oficial da empresa de trem responsável pelo único caminho para chegar a Machu Picchu: o conserto dos trilhos demoraria dois meses.
Pensamos em ir embora a pé até a próxima cidade, mas corriam histórias de que todos os caminhos estavam muito perigosos e decidimos ficar. Nos informaram que devíamos ficar dentro dos vagões de trem, separados por nacionalidade e aguardar os helicópteros que viriam nos resgatar.
Passaram-se cerca de três horas e não tínhamos nenhuma informação, até que começaram a gritar que a estação de trem estava com risco de inundação e que teríamos que ir para um lugar mais alto,saímos todos, um tanto assustados rumo a quadra de esportes. O sol estava forte e éramos mais de dois mil turistas esperando qualquer informação, não ouvíamos nenhum barulho de helicóptero e não sabíamos o que iría acontecer. Às 18h veio o aviso: procurem lugar para se hospedarem, os idosos, doentes, mulheres com crianças e grávidas deveriam voltar para os vagões para serem os primeiros resgatados na manhã de terça.
Achamos um hotel, jantamos e dormimos na esperança de acordar com o ruído dos helicópteros, porém, eles chegaram somente na parte da tarde e soubemos que quem estava partindo eram os que pagavam propina para os militares ou contratavam helicópteros particulares.
Percebemos que era necessário fazermos alguma coisa, reunimos todos os brasileiros na praça central, fizemos listas para saber em quantos éramos, quais eram as principais necessidades e começamos a ligar e mandar e-mails para as embaixadas, consulados, imprensa, enfim, qualquer tipo de ajuda poderia fazer a diferença naquele momento. Até aquele momento não tínhamos recebido nenhuma informação oficial, não sabíamos quantos dias demoraríamos para sair da cidade.
As roupas já tinham acabado, o dinheiro de muitos também e o desespero tomou conta de alguns. Entre o desespero nasceu a solidariedade, muitos buscando ajudar a reconstruir parte de uma calçada destruída, outros lutando por justiça fazendo barricadas contra os que queriam pagar para sair, outros ainda buscando informar os seus países de origem da situação que vivíamos.
Na quarta-feira recebemos comida do governo peruano: café da manhã, almoço e jantar, recebemos também a notícia que o cônsul brasileiro em Lima estava chegando e que os mais velhos, mulheres e crianças tinham ido embora.
Apesar das boas notícias, não sabíamos quando sairíamos porque as chuvas continuavam em Cusco e os helicópteros não conseguiam chegar a Machu Picchu. Cada um buscava entreter-se de uma forma, alguns tocavam violão, outros conversavam, organizavam partidas de futebol e vôlei e até uma pequena gincana.
Foi a união e a força das outras pessoas que me fez passar por este momento com alegria, não sentia medo, sentia que estar ali com aquelas pessoas era uma grande lição de vida e sentíamos isso juntos, que a sensação de impotência se transformava em força e esperança.
O governo brasileiro enviou dinheiro para que todos os brasileiros que estavam em alojamentos fossem para os hotéis. Quinta-feira acordamos com o som dos helicópteros, e nunca aquele som me pareceu tão bonito, mais de 1.300 pessoas foram embora.
Restaram as pessoas na faixa de 20 anos e apesar da ansiedade, da claustrofobia e do medo, foi dia de festa, todos se reuniram, conversaram e dançaram, era o nosso último dia em Águas Calientes.
Sexta-feira, às 18h cheguei em Cusco e depois da aventura de andar de helicóptero que alegria em ver aquela bandeirinha colorida flamejando e rever os amigos cusquenhos. O sentimento era uma mistura de tristeza por ter perdido cinco dias de férias e de alegria por estar ali.
Para finalizar a aventura, como já tínhamos perdido o vôo para o Brasil, pegamos uma carona com o avião da FAB (Força Aérea Brasileira), o Hércules. E agora sim tenho história para contar para o resto da vida, histórias de amizade, companherismo e superação, experiência que me ensinou a ser mais humana e mais apaixonada pela vida.

5 comentários:

Quem escreve disse...

Escreva mais, detalhe, mostre... pra eu viver esses dias já vividos junto com vc...

Wagner Nicolau disse...

Nossa! tinha visto as notícias pela TV, mas nem imaginei q você estivesse no meio! rs

Pior que aqui no Sudeste, tem muita gente numa situação caótica por conta das chuvas, sem falar do Haiti, enfim... Talvez assim possamos mesmo notar quais são as necessidades reais.

Pedro disse...

Um dos melhores relatos do que eu vi acontece rem Águas Calientes até agora. Parabéns Alessandra, e boa sorte.

Cecília no Front disse...

Nossa lele, a tua narrativa esta otima, me fez lembrar o quanto pensei em voces enquanto ouvia as noticias lá da argentina. se nao fosse querer muito participar do forum social mundial de Porto Alegre, estaria juntos, já tinha até feito o orçamento na Ecela. imagino a tensão de voces e agora essa alegria de poder guardar uma experiencia tão marcante pra toda a vida. bjs

Om mani padme hum disse...

Uma história e tanto! Wow, enquanto lia, imaginava cada detalhe, angústia, agonia e esperança.
Certamente, boas coisas nasceram disto tudo.
Bjs, Fátima